Apenas duas em cada dez mulheres se sentem bem informadas em relação à Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006.
Os dados fazem parte da 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, realizada pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) e o Instituto DataSenado, ambos do Senado. Ela envolveu entrevistas por telefone com 21.787 mulheres de 16 anos ou mais entre os dias 21 de agosto a 25 de setembro do ano passado.
Esta é primeira edição do levantamento que traz dados por estado. O estudo atualiza, também pela primeira vez, o Mapa Nacional da Violência de Gênero, projeto viabilizado pelo OMV, o Instituto Avon e a organização Gênero e Número, que cobre questões de gênero e raça no Brasil e na América Latina desde 2016.
Na avaliação de Beatriz Accioly, coordenadora de Parcerias do Instituto Avon, o que chama bastante a atenção na pesquisa é que a Lei Maria da Penha é conhecida pela população brasileira de maneira geral, mas quando se pergunta o quanto as pessoas sabem da lei, sobretudo as mulheres, percebe-se que o conhecimento ainda é muito pequeno. “É quase de ouvir falar. Não dá segurança de saber exatamente o que a lei garante em termos de direitos e o que ela muda de fato”, disse Beatriz à Agência Brasil.
Ela explicou que a pesquisa alerta para a necessidade de entender não só o que as pessoas já ouviram falar sobre a lei, mas o quanto elas conhecem nos detalhes, o quanto esse conhecimento têm a ver com os seus próprios direitos. De acordo com o estudo, mesmo nas localidades onde há maior conhecimento entre a população feminina sobre a Maria da Penha, o índice é muito baixo, passando pouco de 30%.
É o caso do Distrito Federal (33%), Paraná (29%) e Rio Grande do Sul (29%). “O conhecimento está muito longe de ser o ideal”, afirmou Beatriz. As mulheres das regiões Norte e Nordeste são as que afirmam conhecer menos a Lei Maria da Penha. Principalmente no Amazonas (74%), Pará (74%), Maranhão (72%), Piauí (72%), em Roraima (71%) e no Ceará (71%).
Para a coordenadora de Parcerias do Instituto Avon, o diagnóstico mostra que ainda não se conversa tanto sobre a lei quanto é necessário. “É preciso furar a bolha”. O objetivo é aumentar a parcela da população com conhecimento sobre a legislação.
Isso pode ser feito a partir da construção de medidas educativas e de conscientização sobre leis, recursos e políticas públicas voltadas para o enfrentamento à violência de gênero, afirma Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon. Para ela, o maior conhecimento é fundamental para que as mulheres brasileiras possam reivindicar seus direitos, além de interromper ciclos de abusos e agressões.
Dessa forma, a coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência, do Senado, Maria Teresa Prado, destaca que a pesquisa constitui ferramenta que pode auxiliar os legisladores na criação de leis, políticas públicas e programas que funcionem de fato e que sejam mais adequados às especificidades de cada estado.
Segundo Beatriz Accioly, todos os senadores e senadoras vão receber um relatório específico de seu estado, com diagnóstico do território. “É necessário que a gente alerte os parlamentares para que esse problema de violência familiar contra a mulher é um dos mais graves. É preciso que eles conheçam a realidade de seus estados e possam cobrar das autoridades locais mudanças de atuação para reverter a situação”.
Assim, a presidente e diretora de conteúdo da Gênero e Número, Vitória Régia da Silva, lembrou que a dificuldade em reconhecer situações de violência podem impedir acesso aos serviços da rede de proteção. Por isso, é preciso mudar esse cenário.
Em relação ao grau de conhecimento sobre os serviços que integram a rede de proteção à mulher, há equilíbrio entre as unidades federativas brasileiras. Nesse sentido, a delegacia da mulher é o serviço mais conhecido entre elas (95%). Enquanto a Casa da Mulher Brasileira, por sua vez, é conhecida por somente 38% das entrevistadas.
A pesquisa identificou também que o índice nacional de mulheres que declaram ter solicitado medidas protetivas para a sua segurança é de 27%, à exceção do Rio Grande do Sul. Onde 41% das mulheres que sofreram violência com base no gênero solicitaram medidas protetivas.
Beatriz Accioly avaliou, entretanto, que embora o Rio Grande do Sul, junto com Paraná e o Distrito Federal, sejam os locais onde o grau de conhecimento das mulheres sobre a Lei Maria da Penha é “menos pior” no Brasil, ainda há muito a avançar.
O Mapa Nacional da Violência de Gênero é uma plataforma interativa que reúne os principais dados nacionais públicos e indicadores de violência contra as mulheres. Incluindo a Pesquisa Nacional de Violência contra as Mulheres, mais longa série de estudos sobre o tema no país.
A Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, tornou mais rigorosas as penas contra crimes de violência doméstica.
Como resultado, o nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia, farmacêutica e bioquímica cearense. Ela sofreu diversas tentativas de homicídio do marido. Em maio de 1983, ele deu um tiro em Maria da Penha, que ficou paraplégica.
Após aguardar a decisão da Justiça por 15 anos e sem resultado, ela entrou com uma ação contra o país na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Esse foi o primeiro relato sobre violência doméstica feito ao órgão na América Latina.
Por fim, em 2001, o Estado brasileiro recebeu condenação, pela primeira vez na história, por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica. O marido de Maria da Penha foi preso apenas 19 anos depois, em 28 de outubro de 2002, e cumpriu dois anos de prisão.
Fonte: Agência Brasil
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