Cidades

Pacaraima enfrenta intensa migração, e Acolhida constrói nova estrutura para venezuelanos

“Sei que no Brasil vamos ter um futuro” – Diego Fuentes, venezuelano, de 40 anos, abordado em Pacaraima.

Planejar a vida às cegas se tornou a única alternativa para milhares de venezuelanos que chegam a Pacaraima, extremo Norte de Roraima, fronteira com a Venezuela. A cidade brasileira passou de pacata a um verdadeiro oásis para refugiados.

Diego é uma gota no mar de migrantes que deixam tudo para trás em busca de uma oportunidade de melhorar a vida.

Mas esse vai e vem de pessoas foi interrompido em março de 2020, quando o Brasil decidiu fechar a fronteira com a Venezuela, por causa da pandemia da Covid-19. O país foi o único a receber tratamento rígido do Governo Federal.

Todavia, tudo mudou em junho de 2021, quando o Brasil reviu a decisão e restabeleceu o fluxo entre os dois países. Desde então, a cidade voltou a ser rota de esperança, mas tem se transformado em um cenário de calamidade pública.

Números preocupantes em Pacaraima

Posto de Triagem fez mais de 1,6 mil atendimentos em um único dia – Foto: Samantha Rufino/Roraima em Tempo

O aumento da população de rua venezuelana se tornou um dos maiores problemas para a cidade. Tanto é que a prefeitura convocou uma audiência pública para discutir a situação.

Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), divulgados no último mês, revelam que a tendência de crescimento de pessoas sem um teto para morar tem se mantido.

Em agosto deste ano eram 4.015 estrangeiros desabrigados. Contudo, esse número saltou para 4.225 no mês de setembro. Ou seja, um aumento de 5,2%.

Para se ter uma ideia, o Posto de Triagem da Acolhida em Pacaraima atendeu, apenas no dia 22 de outubro, mais de 1,6 mil venezuelanos. Além disso, o Posto de Recepção e Identificação recebeu outros 510.

Para diminuir os impactos da crise migratória, a Operação Acolhida, por exemplo, correu contra o tempo e montou uma nova estrutura para abrigar até 700 venezuelanos em um dormitório emergencial. O espaço será aberto amanhã (25).

De acordo com a Acolhida, as tratativas para abrir a estrutura eram feitas desde o mês de setembro. O Roraima em Tempo revelou que as organizações humanitárias e até o Ministério da Saúde estão preocupados com a questão.

A instalação é temporária, no entanto, não há previsão de quando será desfeita. É que outro dado preocupa: cerca de 900 pessoas esperam por atendimento inicial. Isto é, vacinação, testes, e documentação.

Além disso, diariamente, cerca de 700 pessoas dormem em um espaço semelhante à nova estrutura, e outras 2,5 mil estão no abrigo BV-8. Tudo isso reflexo dos cerca de 500 refugiados que entram por dia no Brasil.

No total, o Exército vai conseguir atender 4 mil venezuelanos com o anexo montado, ampliando, assim, a capacidade de acolhimento.

Visita a Pacaraima

Milhares de venezuelanos vivem nas ruas de Pacaraima, segundo OIM – Foto: Samantha Rufino/Roraima em Tempo

O Roraima em Tempo esteve na cidade e registrou longas filas de quem ainda aguarda para finalizar o atendimento na Acolhida. Os venezuelanos se reúnem em tendas, enquanto o Exército organiza o acolhimento.

O fluxo se intensifica logo pela manhã, quando aqueles que dormem no espaço provisório saem e voltam para a fila. Mas essa tentativa de atendimento pode durar dias e até semanas.

É o caso da família de Diego Fuentes, que citamos no início da reportagem. A esposa dele, Norislenis Salasar, de 33 anos, conta que já estão na cidade há 15 dias. Desde então, esperam para entrar em um dos abrigos.

Eles têm familiares em Santa Catarina, Sul do Brasil, e querem ser interiorizados pela força-tarefa. Esse processo de envio dos estrangeiros é outra tentativa de amenizar os impactos da migração.

Dados da Força-Tarefa revelam que 60.788 venezuelanos se voluntariaram para interiorização desde abril de 2018. Eles foram para 757 cidades brasileiras.

Durante entrevista à reportagem, começou a chover em Pacaraima, mas não desanimou Norislenis. Mesmo contando a história debaixo d’água, ela diz que a situação é melhor que no país natal.

“Na Venezuela está muito difícil. Ao menos aqui temos a oportunidade de comer, lá não tínhamos nada. Graças a Deus, nos deram comida porque já não temos dinheiro. Praticamente não tenho nada, comemos por meio disso [Operação Acolhida]”, contou.

Mudança de vida

Família veio ao Brasil e sonha com a interiorização – Foto: Samantha Rufino/Roraima em Tempo

Norislenis trabalhava como empregada doméstica na cidade de Maturín, e relembra que decidiu deixar tudo para trás para vir ao Brasil por causa dos dois filhos.

“Mãe, quando vê os filhos sem comer, não tem outra alternativa. O pouquinho que temos trouxemos. Tivemos que vender tudo para chegar aqui, porque na Venezuela estamos com escassez de água e comida”, disse.

A família também citou a busca por remédios, o que leva a outro índice. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), os atendimentos do Hospital Délio de Oliveira Tupinambá tiveram crescimento substancial.

A unidade hospitalar é a única em Pacaraima e presta serviço para a cidade e as regiões mais próximas, como Santa Elena de Uairén. Neste ano, por exemplo, a Sesau fez 2,8 mil atendimentos a venezuelanos de janeiro a agosto.

Nos últimos anos houve um aumento significativo das demandas em virtude da imigração venezuelana e, por isso, a estrutura física da unidade será completamente reformada.

De acordo com a Sesau, o investimento deve ser de R$ 2,3 milhões. Entretanto, não a pasta não informou um prazo para conclusão das obras.

Esperança

Enquanto a reforma do hospital não é concluída e os trabalhos da Acolhida são intensificados para suportar o fluxo migratório, os venezuelanos continuam se agarrando na coragem e na esperança de dias melhores.

Yixi Rodríguez, de 33 anos, compartilha do mesmo sentimento que a família de Diego e Norislenis: a Venezuela está quebrada, com a economia falida e um governo sem perspectivas de melhoras.

Ela foi enfática ao dizer que o país natal não vai fazer falta, já que até as compras mais simples, como bombons nos supermercados, são feitas em dólar.

“Se você não tem dólar, não te dão a menor atenção. Todos os dias nos tiram do abrigo BV-8 para tentar, mais vez, tirar os papéis. Já estamos cansados”, diz Yixi, acompanhada do esposo e dos três filhos.

A esperança dela, assim como de outros refugiados, é conseguir trazer a família para o Brasil, na tentativa de compartilharem momentos melhores.

Fonte: Josué Ferreira, Samantha Rufino

Josué Ferreira

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