Saúde

Empresa denunciou cobrança de propina do senador Mecias de Jesus para manter contrato com Dsei Yanomami em 2019

Um ofício revela que houve denúncia, em 2019, feita pela única empresa de tráfego aéreo então autorizada para operar na terra Yanomami em Roraima relatando cobrança de propina, achaque e fraude em licitação do nomeado pelo governo Bolsonaro para cuidar da reserva Yanomami.

A denúncia, que também relata que o senador Mecias de Jesus (Republicanos) pediu propina para manter o contrato com a empresa, foi enviada diretamente ao gabinete do então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em agosto daquele ano.

O documento foi recebido por uma servidora da Presidência, que o assinou. Aliados do ex-presidente afirmaram à reportagem que o gabinete era desorganizado, não conseguindo garantir que a denúncia tenha chegado ao ex-chefe de Estado.

A CNN divulgou a notícia na tarde desta quarta-feira (15) com exclusividade. A reportagem enviou questionamentos à assessoria de Bolsonaro, que afirmou que todas as comunicações e ofícios enviados à Presidência e inerentes a outras pastas eram encaminhados aos respectivos ministérios.

Envolvimento de Mecias de Jesus

A Voare, única empresa que era autorizada a operar na terra Yanomami, explica que atendia diversas comunidades indígenas através de contratos com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). A Pasta é vinculada ao Ministério da Saúde (MS).

Para que médicos, enfermeiros e medicamentos chegassem à terra indígena, era necessário que essa secretaria fizesse o contrato.

“Ocorre que, recentemente, o coordenador do Distrito Indígena Yanomami foi nomeado pelo senador Messias de Jesus, o que nos trouxe grande indignação, pois, de início, o senador pediu propina para nos manter no contrato. Caso contrário, seriamos substituídos”, relata o ofício.

“Nosso contrato havia expirado em janeiro de 2019, estávamos trabalhando por indenização até que o contrato emergencial, em andamento no SESAI Brasília, fosse concretizado, onde a Voare sagrou-se vencedora”, complementam.

A empresa destaca ainda que o coordenador indicado pelo senador teria decidido realizar uma nova cotação de preço, restringindo a participação de empresas, exigindo que os aviões fossem “aeromédicos”, ou seja, que tivessem equipamentos para que atendimentos também pudessem ser feitos no veículo.

Eles teriam ido à justiça denunciando fraude em licitação, restrição de concorrência. A Voare teria sido desclassificada por não possuir o equipamento aeromédico, mesmo apresentando menor valor de serviço.

No ofício de 2019, a companhia ressalta: “Apesar de impetrado denúncias nos diversos órgãos de controle (CGU, MPF, TCU, PF e justiça) e conversado pessoalmente com a Secretaria Nacional Silvia Waiapi, não obtivemos nenhum retorno”. Assim, justificam ter tentado contato com o então presidente.

Indicações de Mecias no Dsei Yanomami

Nos últimos quatro anos, o senador Mecias de Jesus indicou os coordenadores do Dsei-Yanomami. O mais polêmico deles foi Rômulo Pinheiro de Freitas. Ele teve a gestão marcada por cobranças e manifestações dos indígenas.

O período de sua administração no Dsey Yanomami também coincide com o agravamento da crise dos indígenas. Aumentou o número de crianças e adultos desnutridos, assim como o de mortes. E sendo assim, todos esses fatos divulgados pela imprensa roraimense.

Mas antes de Rômulo, Mecias havia indicado Francisco Dias Nascimento Filho. E depois de Rômulo, quem assumiu o Distrito foi o ex-vereador de Mucajaí, Ramsés Almeida. Também indicação de Mecias de Jesus.

Em novembro do ano passado, a Polícia Federal cumpriu 10 mandados de busca e apreensão nas casas dos ex-dirigentes do Dsei Yanomami, bem como no próprio Distrito.

O objetivo era de investigar um esquema de desvio de recursos públicos federais. Conforme a PF, as suspeitas são que somente 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo DSEI-Y teriam sido devidamente entregues.

Com o apoio de agentes públicos, os recebimentos das entregas seriam fraudados e indicariam o cumprimento integral da contratação.

Apenas em relação ao prejuízo para tratamento de verminoses, o esquema implementado no DSEI-Y teria deixado 10.193 crianças desassistidas, resultando no aumento de infecções e manifestações de formas graves da doença, com crianças expelindo vermes pela boca.

Na semana passada, o Ministério da Saúde divulgou relatório que apontou um possível desvio de 90% nos medicamentos. A PF segue investigando o caso.

Outro lado

A CNN tenta contato com a Voare, mas não obteve retorno até a última atualização da reportagem.

A assessoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos) enviou uma nota de Francisco Dias, o então coordenador do Dsei Yanomami citado, que alegou que a Voare deixou de prestar serviços porque ele teria constatado diversas irregularidades, tais como aeronaves inadequadas para o serviço aeromédico.

Assim, abriram um processo de dispensa de licitação para contratação emergencial. A nota ressaltou ainda que o transporte de indígenas era feito sem macas, ao lado de balões de oxigênio. Isso estaria detalhado em uma denúncia do ex-coordenador ao Ministério Público Federal (MPF).

Dias diz ainda que prestou esclarecimentos necessários ao Ministério Público de Roraima (MPRR) e também entregou toda a comprovação de que os serviços prestados pela Voare eram feitos sem contrato. Por fim, pontua que a Corregedoria do Ministério da Saúde arquivou um processo aberto sobre esse caso.

Também foi enviado à reportagem um vídeo de Mecias de Jesus, que reforça que a empresa não tinha capacidade de prestar o serviço para o qual estava contratada.

Ele rechaça “toda e qualquer denúncia vazia, leviana e descabida, como essa fala de que ele pediu propina”. O senador também trouxe contexto político ao caso, pois, à época, ele havia sido recém-eleito, afirmando que a companhia teria ligação com partidos políticos adversários.

Mecias de Jesus está à frente da comissão externa do Senado que apura a crise Yanomami em Roraima, tendo, inclusive, sobrevoado a região recentemente e conversado com o ministro da Defesa José Múcio.

Fonte: CNN Brasil

Rosi Martins

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