Relatório preliminar feito pelo Ministério da Saúde sobre a situação encontrada na Terra Indígena Yanomami registra remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente, bem como fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.
O documento obtido pela reportagem foi produzido após vistoria realizada no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do território entre 15 a 25 de janeiro.
Entre outros problemas, o texto relata que uma série de polos-base (unidades de saúde instaladas nos territórios) fecharam. Isso por causa da insegurança gerada pela presença dos garimpeiros que atuam com apoio do tráfico de drogas e de militares. O governo de Jair Bolsonaro (PL) apontado como responsável pela situação precária das unidades de atendimento e pela falta de combate ao garimpo ilegal na região.
A conivência com o garimpo e a desassistência em saúde indígena na área Yanomami provocaram uma crise de saúde no local, com explosão de casos de malária, desnutrição grave e outras doenças associadas à atividade de exploração, que causa desmatamento e contaminação por mercúrio.
A equipe da Saúde visitou o polo-base de Surucucu, em Roraima, que atende 23 comunidades indígenas e tem capacidade para 60 pessoas. O relatório mostra que, pela falta de estrutura, os indígenas precisam fazer fogueiras para se aquecer, o que já resultou, inclusive, em queimaduras em crianças.
A unidade, segundo relato dos profissionais, vem fazendo atendimentos de emergência. No entanto, não possui nem suporte de soro, o que faz os agentes de saúde improvisarem esse instrumento com pregos na parede.
Além disso, uma das duas macas disponíveis estava enferrujada e sem colchão, sendo usada para buscar os pacientes que chegam em aeronaves. Também faltam profissionais no local.
“O polo-base de Surucucu tem alta demanda de pacientes, tendo em vista que as três UBSI [Unidade básica de Saúde Indígena localizadas ao redor de Surucucu estão sem equipe de saúde e as comunidades Xaruna, Makabei, Macuxi Yano e Kurimã não podem procurar a UBSI Parima devido a conflito intercomunitário”, diz o relatório.
Na área de preparo dos medicamentos, há reuso de seringas para medicamentos orais. Elas são apenas lavadas em água corrente e colocadas em uma bacia, diz o documento.
A equipe pediu “ajustes de conduta” em relação a esse procedimento. Conforme o manual de biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), elaborado para a Prefeitura de Porto Alegre, o item deve ser lavado com produtos como detergente e álcool, além de ficar submerso para desinfecção.
“Seringas e agulhas reutilizáveis devem ser transportadas para a área de limpeza e esterilização em caixa de inox ou bandeja”, diz o manual.
Da mesma forma, os profissionais também não possuem equipamento de proteção individual, como máscara e luvas, para o manuseio e preparo de remédios.
A sala de vacinas é usada para atendimentos ligados à malária. Quando há necessidade de observação do paciente ou então nos casos em que uma mulher chega desacompanhada e precisa permanecer na unidade, o espaço ainda serve para acomodação.
A primeira consulta de um bebê, que deveria ocorrer nos primeiros 15 dias de vida, só acontece nas comunidades mais próximas do polo-base. Já o teste do pezinho é feito apenas se houver tempo hábil.
“Consultas com o médico só se dão na ida da gestante até o polo-base. Caso contrário, mesmo em missão a consulta é realizada pelo enfermeiro ou técnico de enfermagem”, aponta o documento.
Também há relatos de alimentos roubados. No local, faltam frutas e verduras desde julho passado, sem reabastecimento. Além disso, há escassez de panelas, copos, pratos e, quando a equipe realizou a vistoria, não havia botijão de gás.
O relatório também cita, do mesmo modo, falta de medicamentos e relatos de extravio de remédios de malária.
Quando o grupo visitou a Casa de Saúde Indígena (Casai) de Boa Vista, o banheiro estava com as portas quebradas e as malocas estavam sujas e com fezes. Esgoto a céu aberto e um extintor de incêndio vencido desde 2014 foram outros problemas observados.
A sala de vacinação está desativada há dois anos.
“Os banheiros são insalubres, e os espaços para refeição insuficientes para a população e pouco agradáveis”, aponta. O documento relata ainda que a alimentação era em quantidade insuficiente até há alguns meses e que as pessoas relatavam passar fome na Casai.
De acordo com informações dadas à equipe, pacientes esperam até dez anos para voltar às comunidades após um atendimento, por falta de apoio logístico. No momento da visita, conforme os relatos, 150 pacientes já com alta e 200 acompanhantes permaneciam no local por não haver transporte.
Já no polo-base Kataroa, o ministério registrou medicamentos vencidos ou próximos ao prazo de validade e precariedade na organização, o que então, na visão do grupo, impossibilita tratamentos efetivos aos pacientes internados.
“O local é insalubre e não há banheiro para os profissionais realizarem as necessidades fisiológicas e nem higiene pessoal. Os profissionais improvisaram um banheiro para diminuir as idas ao igarapé, no entanto os banhos são realizados dentro da mata”, diz o relatório.
Da mesma forma, o relatório indica o clima de insegurança da região por causa do garimpo ilegal. Como, por exemplo, cita o caso de uma empresa que tem contrato com o Ministério da Saúde para o serviço aéreo e se negou a fazer a remoção de uma criança no polo-base de Haxiu devido às situações de conflito no território. O transporte só aconteceu após Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), assim como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Fuani) conseguirem apoio da Força Nacional.
Além disso, existem na região de Surucucu quatro polos fechados devido à insegurança causada pelos invasores. Uma unidade foi reformada para reabertura, mas nunca reinaugurada.
Fizeram parte da missão a Sesai, a Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), o Programa de Treinamento em Epidemiologia do SUS, a Organização Panamericana da Saúde (Opas), bem como a Força Nacional de Segurança e a Funai.
FEZES
O relatório aponta que na Casai de Boa Vista o alojamento está sujo e com fezes espalhadas.
SERINGAS
Instrumentos de uso oral eram apenas lavados e depois reutilizados. Também faltam equipamentos para profissionais de saúde.
MEDICAMENTOS
Foram encontrados produtos vencidos ou perto da data de validade. Também há relatos de desvio de remédios para tratar malária.
INSEGURANÇA
Presença do garimpo forçou o fechamento de pelo menos sete polos-base, inclusive um reformado.
Fonte: Folha de São Paulo
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