“Treta” é a melhor nova série da Netflix do momento

A coluna de hoje fala sobre “Treta”, nova série da Netflix, uma dramédia que dá um show de roteiro, atuação e execução. Boa leitura!

“Treta” é a melhor nova série da Netflix do momento

Já assistiu ao filme argentino Relatos Selvagens (2006), aquele que são várias histórias de pessoas que perdem a paciência? Bem, cada pessoa que assiste tem seu conto favorito. O meu, por exemplo, é o dos dois motoristas que “tretam” um com o outro em uma rodovia. Só que a coisa vai piorando até um final tão drástico e absurdo que faz a gente repensar se vale a pena revidar uma provocação, independente do ambiente. E mais: a obra constata o quão estressante é o trânsito para pessoas mal humoradas – que já são estressadas mesmo ficando em casa.

A primeira temporada de Treta, nova série da Netflix, traz uma situação parecida, já que envolve trânsito, estresse e uma picuinha sem fim entre duas pessoas desconhecidas no limite da paciência. No caso, Danny (Steve Yeun), um empreiteiro que precisa reerguer sua empresa; e Amy (Ali Wong), uma empresária frustrada com a vida pessoal. Por acaso do destino, os dois se esbarram em um estacionamento, trocam xingamentos, perseguem um ao outro e, depois, cada um vai para sua casa.

Só que não para por aí. Péssimo para eles, ótimo para nós, que fomos presenteados com a melhor nova série da Netflix.

Jogo da discórdia

Os primeiros episódios fazem parecer que é tudo birra de gente que não se dá por vencido. É exatamente isso, mas também não é SÓ isso. Aos poucos, descobrimos quais as frustrações de cada um e como a personalidade deles contribui para a expansão dessa birra. Logo, o que começa com uma mera besteira vai ganhando um corpo cada vez maior e atingindo pessoas que tem cada vez menos a ver com isso. As consequências de segurar essa treta pioram e, aos poucos, vão transformando cada personagem, incluindo os coadjuvantes.

Danny e Amy: fúria de titãs

E eles também são importantes na trama. No campo de Danny, conhecemos seu irmão folgado Paul (Young Mazino) e seu primo encrenqueiro Isaac (David Choe). Do lado de Amy, vemos seu marido passivo e good vibes George (Joseph Lee), sua sogra desconfiada Fumi (Patti Yasutake) e sua parceira de negócios Jordan (Maria Bello), que namora a espertinha Naomi (Ashley Park). Além deles, outras pessoas acabam entrando na vida de Danny ou de Amy, contribuindo – involuntariamente – para esse jogo da discórdia, inclusive cruzando caminhos uns dos outros.

Frequente colisão

Tudo isso amarrado por um roteiro muito bem escrito. É impressionante como o criador da série, o sul-coreano Lee Sung-Jin, fez uma história aparentemente simples ser tão bem aberta a possibilidades e tão crível nas derrotas nas relações humanas. Além de raiva no trânsito, nós vemos briga de irmãos, azar no trabalho, romances fadados ao fracasso, casamento em frangalhos, ciúme de cônjuge atual com ex,… arrependimentos. É um drama cômico ou uma comédia dramática? Pode ser qualquer coisa. Tem até pitadas de terror em determinados momentos.

Danny em momento zen

Além do texto surpreendente, o que nos faz sentir na pele dos protagonistas (algumas vezes raiva, outras vezes pena) é o desempenho dos intérpretes. Steve Yeun se afasta cada vez mais de Glenn (The Walking Dead). Seu Danny é mais decidido, orgulhoso e um pouco trambiqueiro. Se ele tem o rosto da impaciência, Ali Wong é a frustração encarnada. Alguns trejeitos denunciam a veia cômica da atriz – o que não é nenhum demérito –, mas ela transita facilmente para o drama. A frequente colisão dos dois gera uma dupla inesperadamente cheia de química dentro dessa desavença. O melhor é que eles funcionam bem separados e ainda melhor juntos.

Mesma polaridade

Outro elemento que torna a série interessante é o quanto ambos se entendem, mas não se dão conta disso – por causa da bendita treta. Afinal, mesmo com vidas diferentes, ambos são imigrantes asiáticos, que saíram de seus locais de origem em busca de um novo lar, de uma nova vida. Ambos estão incompletos em suas existências, cada um a sua maneira. Antes que você presuma: não, eles não se completam. É justamente por terem a mesma polaridade temperamental que eles se chocam.

Amy e o marido: relaxando

Mesmo assim, lamentamos por ver que não precisaria ser desse jeito. Inclusive, em toda essa “dramédia”, Treta nos faz repensar, de várias formas, se realmente vale a pena revidar uma provocação. É isso que a série reflete. Portanto, antes de você “não deixar barato” ou “não ficar por isso mesmo”, respire fundo e lembre-se da história de Danny e Amy. Vou piorar: lembre-se da história dos dois motoristas em Relatos Selvagens, um dos melhores filmes de 2016. E a série de Lee Sung-Jin é melhor da Netflix no momento.

Realmente, como eu adoro uma Treta!

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

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