Os brasileiros cansaram de ver filmes hollywoodianos com títulos brasileiros bem discrepantes. Alguns mudaram para melhor (“The Godfather” virou “O Poderoso Chefão” aqui no Brasil) e outros, para pior (de “Lost In Translation” para o genérico “Encontros e Desencontros” é dose!). Às vezes, essa coisa de “traduzir” títulos é tão pesada que as distribuidoras nem tentam. É o caso de “Independence Day” (1996), “Cold Mountain” (2003) e um incompreensível “007: Quantum of Solace” (2008), que não traduziu a frase, mas lascou essa numeração que só existe na versão brasileira dos filmes – já que nenhum título original de “007” tem… “007”. São nomes que, para vender a obra desde a ideia, deveriam mesmo sofrer uma adaptação.
Existe, porém, uma outra categoria: a de títulos originais que deveriam ser MANTIDOS mesmo. É que há filmes com um título original tão adequado e com uma sonoridade tão boa de se falar que poderiam muito bem chegar aqui do jeito que vieram ao mundo. Ou seja, com o mesmo nome de batismo. Deu certo com “Toy Story”, que nunca foi transformado no literal “História de Brinquedo”, porem manteve a fonética deliciosa e difícil de ser esquecida. E com a série “The Walking Dead”, em que nenhuma tradução faria jus ao espírito caótico, pessimista e ambíguo do conto dos sobreviventes de um apocalipse zumbi.
Lista
Com isso em mente, fiz uma lista de filmes que também tiveram seus respectivos títulos adaptados para o público brasileiro, mas que seria melhor se tivessem deixado do jeito que estava. Mesmo que alguns tenham um nome nacional bacana (como o primeiro da lista, por exemplo), os títulos originais dessas obras teriam mais a ver com os roteiros em si e transmitiriam melhor a aura de cada um deles. Confira abaixo.
P.S.: como não sou todo mundo, gostei de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, nome brazuca de “Annie Hall” (1977). Postei e saí correndo.
AMOR, SUBLIME AMOR (1961 e 2021)
Título original: WEST SIDE STORY
Grande lançamento da semana e um dos filmes mais esperados do ano, a obra de Steven Spielberg é um remake do trabalho multipremiado de Jerome Robbins e Robert Wise. Para não fugir da marca de um clássico, a distribuidora nacional manteve o título brasileiro da obra anterior. Não vou mentir: “Amor, Sublime Amor” é um nome encantador e tem uma grandiosidade típica de um vencedor do Oscar de Melhor Filme. Por outro lado, além da pronúncia mais marcante, “West Side Story” tem mais a cara do filme, um musical ambientado nas ruas da Zona Oeste de Nova York. É o caso de títulos que ficam bons no Brasil, mas que dizem menos sobre o filme do que se deixasse do jeito que veio.
SEM DESTINO (1969)
Título original: EASY RIDER
“Já assistiu “Easy Riser?” É isso que ouço falar dos fãs da obra de Dennis Hopper que fez barulho na virada da década de 1960 para 70. Em mais uma armadilha dos nomes genéricos, “Sem Destino” tira toda a força do nome original e deixa a obra com cara de um filme qualquer sobre alguém perdido na vida. Até porque a principal característica imagética da obra é a motocicleta na rodovia. Não à toa, é bem comum ver a imagem de Dennis Hopper e Peter Fonda na estrada decorando os motoclubes, assim como ouvir a música-símbolo dos motociclistas: Born to be Wild, da banda Steppenwolf, que está na trilha sonora do longa. Dá para sentir isso só com o título nacional? Aposto que não.
OS FANTASMAS SE DIVERTEM (1988)
Título original: BEETLEJUICE (BESOURO-SUCO)
A personificação icônica de Michael Keaton transformou o fantasma Beetlejuice (ou Besouro-Suco) em um dos personagens mais queridos do final dos anos 1980. Agora, dentre tantos filmes fantasmagóricos por aí, quem imaginaria que ele faz parte de um que se chama “Os Fantasmas se Divertem”? Ok, fantasma e diversão são pistas legais e têm a ver com o figuraça. Só que, passado o tempo, dá para confundir com “Os Fantasmas Contra Atacam” (1988), com quem tem três pontos em comum: o humor macabro, a trilha de Danny Elfman e a indicação ao Oscar de Melhor Maquiagem. O resto, nada a ver. “Beetlejuice” ajudaria mais no marketing do personagem, mas ninguém devia saber do sucesso que ele faria.
EM RITMO DE FUGA (2017)
Título original: BABY DRIVER
Pense em uma oportunidade perdida pela distribuidora nacional, que jogou no ralo a chance de colocar um subtítulo para ficar “Baby Driver: Em Ritmo de Fuga”. Ao invés disso, decidiu SUBSTITUIR todo o nome original e ficou só “Em Ritmo de Fuga” mesmo. Talvez porque acreditassem que a palavra ritmo diria ao espectador que se trata de uma trama envolvendo música no meio de uma fuga. Sendo isso ou não, esqueceram o principal: focar no protagonista e manter a pegada pop do cineasta Edgar Wright. Com a perda de uma assinatura tão valiosa, ninguém percebeu que, só com o nome, o diretor e roteirista já tinha matado esses dois coelhos de uma vez. Uma pena.
SOMBRAS DA VIDA (2017)
Título original: A GHOST STORY
Será possível que todo longa com story no nome fica melhor se deixar a tradução para lá? No caso número 543567 de tradução genérica, “Sombras da Vida” não diz nada sobre o filme. Mas, sabe, nada mesmo. A palavra sombras dá, no máximo, uma conotação negativa e triste. Já “A Ghost Story” diz exatamente o que é: um conto de fantasma. E, dissecando ainda mais, ghost (que é fantasma, em inglês) casa perfeitamente com a figura clássica no pôster, literalmente uma pessoa vestida com um lençol. Já story passa uma ideia de “causo”, dando a entender que existe algo maior por trás. Uma obra singela e muito interessante que faz qualquer um passar despercebido só por causa do título daqui.
VIVA: A VIDA É UMA FESTA (2017)
Título original: COCO
Este é o caso facultativo da lista, pois os dois títulos são bons. Na verdade, “Viva: A Vida é uma Festa” até traz uma euforia que inexiste em “Coco”, que é só o nome do protagonista. O problema é que a “festa” da história está mais na morte que na vida. Sem contar a falsa impressão de que “Viva” seria o nome original e que o restante seria o subtítulo. E não é. Tudo foi inventado aqui no Brasil, exatamente o que aconteceu com “What’s Love Got to do with it”, que virou “Tina: A Verdadeira História de Tina Turner” (1993). Até dá para entender a mudança drástica da biografia da cantora por causa do valor comercial, já que só os fãs saberiam que o título é o nome de uma de suas canções. “Viva” é bom, mas “Coco” também seria.
A INOCÊNCIA DO PRIMEIRO AMOR (1986)
Título original: LUCAS
Outro nome de protagonista transformado em um título imenso. Fala sobre um garoto de 13 anos que se apaixona por uma garota três anos mais velha e, para chamar sua atenção, entra na equipe de rúgbi da escola. No elenco, um Corey Haim bem novinho e, vejam só, Charlie Sheen e Wynona Rider antes da fama. “A Inocência do Primeiro Amor” também é bacana, porém tão comum que deixa ser facilmente confundido com outras obras posteriores, como “Meu Primeiro Amor” (1993) e “O Primeiro Amor” (2010). Você pode até defender que ele chegou primeiro (o que é verdade), mas faltou visão. Assim como em “Baby Driver”, uma boa solução seria “Lucas: A Inocência do Primeiro Amor”, já que o Brasil também adora subtítulos.
DAUNBAILÓ (1986)
Título original: DOWN BY LAW
Dá para acreditar? Na completa falta de ideias para um nome nacional decente, resolveram abrasileirar a versão fonética do nome original, no melhor estilo Soletrando. Assim, “Down by Law” virou, simplesmente, “Daunbailó” – como fez a Itália, inclusive. Neste, que é um de seus primeiros trabalhos, Jim Jarmusch fala sobre dois caras presos injustamente que, junto com um italiano, tentam fugir da cadeia. Com um nome desse, porém, ficou parecendo um filme de bruxaria, com o nome da entidade maligna no título. Até poderíamos ter algo na tradução que lembrasse a rigidez da lei ou algo similar. Mas, se ficou isso no fim das contas, seria melhor deixar sem traduzir mesmo. Melhor que chamar o espectador de burro.
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda sexta-feira aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.