Verdade seja dita: o brasileiro Central do Brasil não tinha chance de tirar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (atual Melhor Filme Internacional) do italiano A Vida é Bela, na edição de 1999. Não, não tem nada a ver com a qualidade das obras em questão. Nem mesmo o spoiler da própria direção da cerimônia, que escalou a italiana Sophia Loren para apresentar a categoria e entregar a estatueta.
O belo filme de Walter Sallles perdeu sua chance, na verdade, ainda no anúncio dos indicados. Isso porque o representante da Itália também esteve entre os cinco indicados a Melhor Filme. E, como bem sabemos, todo filme internacional indicado à categoria mais importante do Oscar já leva, automaticamente, o prêmio de Melhor Filme Internacional – bem como comprovariam as vitórias de O Tigre e o Dragão (em 2001), Amor (em 2013), Roma (em 2019), Parasita (em 2020), Drive my Car (em 2022), Nada de Novo no Front (em 2023) e Zona de Interesse (em 2024). O problema é que, antes de 1999, essa dupla indicação em uma única edição só tinha acontecido uma vez. Foi em 1970, com Z, de Costa-Gavras – que, claro, venceu como Melhor Filme Estrangeiro.
De toda forma, a derrota de Central do Brasil é lembrada com tristeza até hoje. Entretanto, tudo pode mudar com Ainda Estou Aqui, filme escolhido para representar o Brasil no Oscar 2025. Outro de Walter Salles. E com Fernanda Montenegro no elenco. Também foi muito elogiado pela crítica internacional. E ainda terá campanha da Sony Classics nos EUA.
Portanto, caso apareça no anúncio da Academia em 17 de janeiro de 2025, Ainda Estou Aqui deve ser a melhor chance do Brasil levar o Oscar de Melhor filme Internacional.
Burburinho pró-estatueta
Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui conta a história verídica de Eunice Paiva (Fernanda Torres), em 1971. Ela precisa cuidar de seus cinco filhos após o desaparecimento de seu marido, o deputado Rubens Paiva (Selton Mello), sequestrado pela Polícia Militar. Na vida real, Eunice e Rubens eram os pais do autor do livro, que aborda memórias de sua família, o contexto da ditadura civil-militar no Brasil e a busca de Eunice pela verdade.
O filme passou por vários festivais durante o ano. No início de setembro, foi ovacionado no Festival de Veneza e saiu com o prêmio de Melhor Roteiro para Murilo Hauser e Heitor Lorega. Os portais do Hollywood Reporter e da Variety já apontam a indicação ao Oscar não apenas para Melhor Filme Internacional, mas, também, para Melhor Atriz a Fernanda Torres. Além disso, o crítico Waldemar Dalenogare, que cobriu o Festival de Toronto, já manifestou torcida à indicação como Melhor Roteiro Adaptado, em uma crítica em seu canal no You Tube.
E, na última segunda-feira, dia 23, a escolha de Ainda Estou Aqui como representante brasileiro na disputa pela vaga do Oscar de Melhor filme Internacional, pela Academia Brasileira de Cinema, consolidou ainda mais o burburinho pró-estatueta.
Dupla indicação
Mesmo com toda essa empolgação, ainda estamos falando “apenas” de indicações. E sobre vitória? Afinal, caso seja indicado mesmo, existe real chance de Ainda Estou Aqui GANHAR o Oscar?
A vitória depende de dois fatores. Primeiro: a aceitação da obra a longo prazo, já que ainda estamos em setembro e o hype precisa se sustentar até o próximo dia 2 de março, data do Oscar 2025. Isso quer dizer que temos, praticamente, um semestre inteiro para acompanharmos a pré-lista (dezembro) e as indicações (janeiro) até a cerimônia (março). Para isso, a Sony Classics deve trabalhar na melhor campanha possível para engatar as indicações, inclusive para Fernanda Torres, muito aplaudida em Veneza.
O segundo fator é a concorrência. Das quatro indicações em que o Brasil disputou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Central do Brasil foi a obra que mais merecia o prêmio. Mas, ironicamente, foi a que teve a derrota mais garantida, por causa da dupla indicação de A Vida é Bela (explicada lá no segundo parágrafo). Nesta próxima temporada, há um filme que periga ter essa dupla indicação, conforme as apostas iniciais: o francês Emilia Perez, a arma da Netflix para o Oscar 2025. Se esse musical de Jacques Audiard conseguir isso, a única chance que o Brasil terá é se a Sony Classics conseguir engatar as mesmas indicações. Do contrário, a Academia já pode dar o Oscar para a França e voltaremos a ver navios.
Pé de igualdade
Como a própria aposta em Emilia Perez também faz parte dessas incógnitas que sempre permeiam o segundo semestre do ano, não vamos nos desanimar. Afinal, apesar do ano estar acabando, ainda tem muito chão pela frente, outros lançamentos e novas dinâmicas que pouco dependem (ou até fogem) de previsões iniciais. Nesse momento, Ainda Estou Aqui está fazendo uma bela jornada de visibilidade que volta a colocar os holofotes acadêmicos no cinema brasileiro, depois de 25 anos.
Após o Oscar 1999, a Academia se lembrou de outras produções brasileiras. Dois anos depois, Uma História de Futebol apareceu na lista de Melhor Curta-Metragem, mas perdeu para o mexicano Quiero Ser. Em 2004, Cidade de Deus teve quatro indicações, mas sem chance contra o colosso O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Depois, a animação O Menino e o Mundo perdeu para o primeiro Divertida Mente, em 2016; e o documentário Democracia em Vertigem, para Indústria Americana, em 2020.
Assim, se nenhum filme internacional tiver a tal dupla indicação do Oscar, Ainda Estou Aqui estará em pé de igualdade com a concorrência e terá a maior chance de todas de trazer o Oscar ao Brasil. Enfim, cruzemos os dedos.
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.