De todas as histórias de serial killers americanos, a de Ed Gein é uma das mais macabras e a que mais me chamou atenção. Mais que assassinatos, o Açougueiro de Plainfield era conhecido por “conversar” com a mãe falecida e desenterrar defuntos. Motivo: retirar partes dos corpos para fazer adereços e mobílias. Quando a polícia descobriu seus crimes e entrou em sua casa, encontrou mesas e cadeiras feitas com ossos, uma tigela de sopa feita com crânio, tecidos e panos de mesa feitos com pele humana (alguns ainda tinham mamilos e umbigo) e colares feitos de vulvas. Tambem foram encontradas máscaras vindas dos rostos dos cadáveres. Ele não morreu na prisão, mas em um manicômio, aos 77 anos. Sua história é tão macabra que inspirou outros assassinos e três filmes de terror. São eles Psicose (1960), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e O Silêncio dos Inocentes (1991).
Por isso, aguardei com muito interesse a terceira temporada da série antológica Monsters, que começou com o sensacional Dahmer: Um Canibal Americano (2022) e seguiu com o “sensacionalista” Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais (2024). Quando a Netflix finalmente anunciou A História de Ed Gein em 2025, eu já estava pronto para maratonar. Acreditei que teria uma morbidade semelhante a da primeira temporada. Afinal, o trailer prenunciava isso.

Teminei os oito episódios no último fim de semana e não consegui disfarçar a frustração. Monstro: A História de Ed Gein (2025), lançada neste mês pela Netflix, é menos sobre seu protagonista e mais sobre seu legado, que perde o foco do personagem em si, preferindo metralhar subtramas – algumas quase irrelevantes. Antes de explicar melhor nas linhas abaixo, dá para adiantar uma boa notícia: apesar de inferior a Dahmer (tem crítica aqui), pelo menos é melhor que Menendez.
Vale da estranheza
A minissérie começa bem, mostrando a vida particular de Ed Gein (Charlie Hunnam) e sua relação com a família: a mãe religiosa e opressiva Augusta (Laurie Metcaf) e o irmão zueiro Henry (Hudson Oz). Eles vivem em uma fazenda sob a educação rígida da mãe, que sempre reprova o contato social de Ed com o sexo feminino (“Mulher é pecado!”, diz essa mulher). Logo de cara, já vemos Ed como um homem carente, retraído e de hábitos esquisitos. Aliás, a caracterização de Hunnan ficou impecável, especialmente usando o boné. Não demora muito para Ed ficar solitário e enlouquecer de vez. É a partir daí que a temporada desenvolve seus vícios doentios e promete um mergulho aterrador nos crimes do sujeito.
Isso até cortar para as filmagens de Psicose, ainda nos primeiros episódios, uma decisão tão precipitada quanto deslocada. Aqui, o foco vai a dois personagens: o célebre diretor Alfred Hitchcock (Tom Hollander) e o ator Anthony Perkins (Joey Pollari), intérprete de Norman Bates. Não deu para segurar o riso quando apareceu o Mestre do Suspense com uma papada na maquiagem que entra no vale da estranheza. Você não vê Hitchcock, mas uma pessoa (mal-)maquiada, só isso.

Confete narrativo
Em outro episódio, foi a vez de O Massacre da Serra Elétrica, em mais uma pausa para uma subtrama de bastidor. Aqui, a Tramontina é ainda pior, pois a série debanda para o “futuro” no auge de uma cena aterrorizante no “presente”. Tudo mais para criar rimas visuais entre realidade e ficção que para contar a saga do diretor Tobe Hooper (Will Brill). E a referência a O Silêncio dos Inocentes se resume a poucos segundos e beira o aleatório.
Adoro histórias de bastidores de cinema. Inclusive, adorei Hitchcock (2012), com o personagem-título interpretado por Anthony Hopkins. Porem, ao redirecionar sua trama a eventos futuros, A História de Ed Gein perde a coesão e transforma o protagonista em coadjuvante de sua própria história. Assim, a série deixa de ser sobre o assassino e passa a ser sobre cultura-pop, como se sua vida pessoal não interessasse mais. Até existe uma tentativa de fazer paralelos com a psiquê de Anthony Perkins, como se o ator tivesse mais em comum com o assassino real do que imaginava. Não se engane: é puro confete narrativo.

A ideia de trazer essas referências é bem válida, já que nem todo mundo conhece o legado de Ed Gein. Contudo, do jeito que ficou, elas acabam atrapalhando a imersão, puxando o espectador para outro lugar, sem cerimônia alguma. Eu deixaria esses episódios para depois de sua prisão, mesmo que precisasse retomar as rimas visuais. Ou condensaria em apenas um episódio, deixando para ser o penúltimo. Até porque ficaram bem bons, de forma independente. Como continuidade, porem, deixaram a série bem “viajada”.
Arco próprio
Se as referências ainda trazem conhecimento acerca do impacto de Ed Gein em Hollywood, o que dizer de subtramas que não levam a lugar algum? É o caso de Adeline (Suzanna Son), uma moça que sonha com a fama e, provavelmente, a única pessoa que aceita Gein como ele é. Ao revelar sua personalidade peculiar, os criadores parecem pensar que estão enriquecendo a série, quando, na verdade, estão jogando contra o próprio time, mais uma vez.
Isso porque Adeline ganha um arco próprio que faz essa rede de subtramas se dispersar ainda mais, afastando o espectador de seu ponto de interesse. É perceptível a vontade de Ryan Murphy de emplacar uma indicação ao Emmy para Suzanna Son, dedicando um episódio inteiro a ela – que, no fim das contas, não vai servir para nada. Se for o caso, espero que redirecionem a campanha a Laurie Metcaf, que assusta só com o olhar julgador e a fala áspera de Augusta Gein.

A série só fica boa de novo quando ela volta os olhos ao verdadeiro protagonista e continua sua trama continuamente interrompida. Felizmente, a produção é tão bem feita, os crimes são tão mórbidos e a atuação de Charlie Hunnam é tão envolvente que nunca é tarde demais para voltar. Sim, é o astro de Sons of Anarchy que nos segura até o fim. Emagrecido, com voz pesada, olhos perdidos e a pálpebra direita caída, ele ganhou aqui um novo papel eterno para chamar de seu. O episódio em que é diagnosticado com esquizofrenia é seu canto de cisne e deve lhe render a primeira indicação ao Emmy, no ano que vem.
Atrocidades imperdoáveis
Ryan Murphy é uma espécie de rei do streaming. Criou várias séries de sucesso, inclusive antologias true crime, que o diga American Crime Story, que tratou do julgamento de O.J.Simpson, do assassinato de Gianni Versace e do quase-impeachment de Bill Clinton. A série Monster parecia seguir para o rumo dos serial killers com Dahmer, mas deu a segunda temporada aos irmãos Menedez, que cometeram fratricídio – que não é bem um assassinato em série.
De toda forma, estão seguindo os passos de figuras monstruosas, que cometeram atrocidades imperdoáveis. A História de Ed Gein retoma o fascínio de Murphy por serial killers, com o que, talvez, seja a figura mais influente de todas, por assim dizer. É uma produção muito caprichosa e que prende a atenção quando conta o que deve ser contado. Tem um final provocador, polêmico e de um mau gosto que já é a cara de Murphy. Pena que as referências – que são bacanas – tenham sido encaixadas à força em locais inadequados, como um quadrado em um espaço triangular. E não precisava falar de tanta gente alem de Ed Gein (quase esqueci que ainda tem a subtrama de uma mulher nazista).
Não ficou ruim, mas poderia ter sido muito melhor.
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

