“Somos uma potência gigante”, diz cineasta Sabrina Greve em entrevista exclusiva ao Cinema em Tempo

Leia a entrevista com a roteirista e cineasta Sabrina Greve, que estreia na direção de longas-metragens com “O Porão da Rua do Grito”.

“Somos uma potência gigante”, diz cineasta Sabrina Greve em entrevista exclusiva ao Cinema em Tempo

Sabrina Greve estreia na direção de longas-metragens, mas sua carreira artística é longa. Afinal, começou como atriz de teatro ainda na década de 1990 e, na virada do século, entrou no cinema com o pé na porta. Fez Uma Vida em Segredo (2001), que lhe rendeu vários prêmios de Melhor Atriz; e os sucessos de bilheteria Carandiru (2003) e Olga (2004). Na televisão, seus destaques foram a minissérie A Casa das Sete Mulheres (2003) e a novela Cristal (2006).

Virou diretora com o curta-metragem 3:33 (2009), protagonizado por Bárbara Paz, e tomou gosto pela coisa. Isso porque dirigiu mais quatro curtas, além de peça teatral, videoclipe e um telefilme, Irina (2012). E, após acumular outras funções além de atriz (roteirista, montadora e professora de cinema), é atrás das câmeras que ela se sente mais à vontade no momento. “(A direção) acaba sendo a somatória de todas essas funções”, diz ela.

Sabrina Greve atuando em Uma Vida em Segredo (2001)

Nesta entrevista com o Portal Roraima em Tempo, Sabrina fala um pouco sobre seu novo filme, O Porão da Rua do Grito, que estreia hoje nos cinemas brasileiros. Apaixonada por cinema, também fala sobre o cinema de terror, o papel da mulher cineasta, o Oscar do Brasil e outras coisas. Então, curta a entrevista!

Júnior Guimarães: O Porão da Rua do Grito será lançado nos cinemas e já ganhou prêmio internacional. Como você se sente com esse reconhecimento em seu primeiro longa-metragem?

Sabrina Greve: Sempre é bem vindo reconhecimento pelo trabalho, mas não sou muito de acreditar em prêmios. Rs. Depende sempre de uma sorte do momento, e muitas vezes outras obras não premiadas são as que perduram no tempo. A gente ganhou esse prêmio do filme em WIP no festival Blood Window – Ventana Sur durante ainda a pandemia. Gostaríamos de ter circulado mais com o filme em festivais, mas o filme foi rodado e ficou pronto justamente nesse período de restrição.

JG: Você considera O Porão da Rua do Grito um terror tradicional ou horror psicológico? Ou os dois?

SG: Considero o filme mais como se fosse uma fábula de horror de casal mal assombrada. O Porão da Rua do Grito tem essa intenção de unir entretenimento com algo a mais. Ele tem elementos de investigação visual que dialogam com clássicos do subgênero de casa mal-assombrada, como Horror em Amityville, Invocação do Mal e a franquia Sobrenatural, mirando um público jovem fã do terror tradicional. O filme aborda o medo através do que é emocionalmente real, mesmo que não seja totalmente factual, aproximando-se do horror psicológico de obras como Os Outros, Hereditário e The Babadook.

JG: Existe diferença entre a ideia do filme antes da pandemia do Covid-19 e o filme que está sendo lançado?

SG: Sim, houve uma diferença crucial no processo. As filmagens aconteceram dentro dos parâmetros da pandemia, o que exigiu protocolos rigorosos e muita adaptação. O lado positivo é que isso uniu muito a equipe e, de forma inusitada, potencializou a atmosfera do filme. O protocolo de filmagem acabou funcionando a favor, intensificando o ambiente claustrofóbico do casarão. Se tivesse feito fora do contexto da pandemia teria sido outro filme, com certeza.

Sabrina Greve dirigindo “O Porão da Rua do Grito”: imagem do Instagram da cineasta

JG: Vários cineastas consagrados, como Sam Raimi e Guillermo del Toro, iniciaram a carreira com o terror, enquanto José Mojica Marins fez sua carreira inteira predominantemente no terror. O que você acha que o terror oferece de tão atrativo a novos cineastas?

SG: O terror oferece um potencial inventivo e alegórico único. No meu caso, quando comecei a desenvolver o projeto, percebi que temas que me instigavam, como a violência doméstica e as armadilhas da memória, teriam muito mais ressonância se caminhassem para o horror. Além disso, o gênero permite revisitar temas sociais muito importantes, como a violência doméstica e o feminicídio, mas sem nunca perder de vista a sua essência, abraçando a violência frontalmente e entregando os sustos e a brutalidade que um bom filme de horror deve ter. E como é um gênero muito difícil de executar, eu senti como se fosse uma prova de fogo, um batismo pra seguir adiante.

JG: No ano passado, nós vimos a grande repercussão de “A Substância”, de Coralie Fargeat, que traz um olhar interessante sobre a diferença de gêneros. Inclusive em grandes premiações, com várias indicações ao Oscar. Você vê esse reconhecimento como uma ascensão do cinema de terror feminino?

SG: Eu vejo as mulheres sendo fundamentais e liderando uma renovação no gênero. As diretoras estão trazendo novas perspectivas, explorando o potencial alegórico próprio do gênero, sem perder de vista questões dolorosas da nossa sociedade patriarcal. E o mais interessante é que cada diretora contribui com várias facetas do horror, imprimindo riqueza e diversidade, cada uma no seu estilo. Lembremos que boa parte do público que consome filmes de terror é composto por mulheres. Então, acho que estamos numa época bem propícia pra ocupar mais essa prateleira do gênero.

JG: Em uma entrevista à extinta revista Set, o cineasta e roteirista Charlie Kauffman afirmou: “todo roteirista é autobiográfico”. O que acha dessa afirmação, visto que existe uma familiaridade sua com a Rua do Grito do título de seu filme?

SG: Concordo plenamente, mesmo quando não é, é. Mesmo quando nos apropriamos de histórias alheiras, sempre é pelo nosso ponto de vista, o que acaba tendo essa dose de experiência autobiográfica. Acredito que todo criador coloca muito de sua vivência e de suas inquietações nas obras. Eu cresci no bairro do Ipiranga, perto da Rua do Grito, e a rua se associava ao testemunho de situações de violência doméstica, aos gritos de mulheres oprimidas naquele bairro, muito antes de eu ter noção do peso da nossa história. Essa questão do passado interferindo no presente vem de uma inquietação minha sobre como a memória é sempre recriada na linha do tempo, tornando-se emocionalmente real, mesmo que às vezes não seja totalmente verdadeira. Gosto muito de uma frase do Mário Quintana: ‘A imaginação é a memória que enlouqueceu.’ O filme é um pouco sobre essa ideia, porque eu perdi um irmão na infância, então vivi e cresci com o trauma desse luto sempre nessa fronteira entre realidade e imaginação.

Cena de “O Porão da Rua do Grito”

JG: Enquanto espectadora, você tem um gênero favorito?

SG: Eu gosto de todos os gêneros, sou uma apaixonada pelo cinema. Se tem uma boa história, sempre vai me fisgar, independente do gênero. Agora, claro que tenho fases, também acabo sendo muito guiada pelo projeto que estou fazendo.

JG: Embora você tenha começado com terror, seu segundo filme, As Aparências Enganam, é uma comédia. Há planos ou mesmo desejo de explorar outros gêneros?

SG: Pois é… Ator não tem preferência de gênero, acaba transitando por todos em seus trabalhos e, de uma certa maneira, acho que estou emprestando essa perspectiva na minha trajetória como diretora. Eu sou muito curiosa e gosto de desafios. Terror é muito difícil de fazer, comédia também. Ambos necessitam de uma resposta física imediata do público: se você não riu ou não ficou com medo, não funcionou. Então, por mais absurdo que possa parecer, de uma certa forma estou seguindo desafios semelhantes nesses gêneros opostos. Agora, com certeza chegarei no drama em algum momento, sobretudo pela minha experiência como atriz nesse gênero.

JG: Você passou por vários ofícios dentro do audiovisual, sendo atriz, roteirista, diretora, montadora, professora de cinema, tendo passado por teatro, novelas, séries, minisséries, curtas-metragens, longas-metragens… De tudo isso, onde você se sente mais à vontade?

SG: Eu acho que na direção, que acaba meio que sendo a somatória de todas essas funções. Eu me considero mais uma diretora que escreve, uma montadora que decupa, uma atriz que se auto dirige, mas sempre em diálogo com a direção. A sala de aula para mim é um lugar de experimentação com os alunos, um lugar para trocar e errar sem culpa. E ainda quero experimentar produção também, rs.

Foto do Sesc do curso Atuação Para o Audiovisual, ministrado por Sabrina Greve

JG: Agora que você começou a dirigir filmes, pretende focar seu talento na área ou você ainda pensa em seu futuro como atriz também?

SG: Minha trajetória como atriz permanece e é fundamental, mas neste momento, sinto a necessidade de ampliar mais meu trabalho na direção. Eu acho que uma coisa alimenta a outra, é sempre muito rico estar na pele de atriz, me lembra os temores e inseguranças que temos perante a direção, o que procuro sempre sanar.

JG: Como você se sente sendo uma diretora feminina em meio a um cenário tão polarizado politicamente do Brasil atual?

SG: Eu acho que independente da polarização, a pauta feminina está fortemente presente na sociedade, e não só na área artística. Mesmo entre conservadores e progressistas, a questão do lugar que a mulher quer ocupar está em pauta, ainda que não tenha conquistado plenamente seu espaço. Há 20 anos eu não sonharia em dirigir filmes, a quantidade de mulheres nessa função era quase ínfima. Então, acho que muita coisa já mudou, olhando por um viés otimista.

JG: Onde você estava nos prêmios de Ainda Estou Aqui? Como você reagiu ao Globo de Ouro de Fernanda Torres e ao primeiro Oscar do Brasil como Melhor Filme Internacional?

SG: Estava em casa, foi realmente emocionante. Compartilho o que escrevi no Instagram que acho que traduz melhor: : “Para qualquer uma das outras indicadas seria mais um prêmio, mas para Fernanda, para nós, é um significado gigante. Representatividade da nossa identidade brasileira, inspiração e sonhos renovados para todos os artistas e fazedores de cultura desse país. Também nos lembra a potência que somos e o quanto a cultura brasileira, o cinema e audiovisual brasileiro podem penetrar na cultura global.”

JG: O cinema brasileiro está crescendo muito, para dentro e para fora do país. Como você espera contribuir com esse crescimento, enquanto criadora de histórias?

SG: Espero contribuir elevando a qualidade técnica e artística em qualquer obra que me proponha fazer, de séries de tv a filmes de arte, do terror a comédia, enfim, o audiovisual brasileiro não deixa nada a desejar de qualquer obra feita no mundo. Somos uma potência gigante de criatividade e histórias, o mais difícil ultimamente nem é mais o quesito produção, mas conseguir uma janela, conseguir chegar no publico.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

Comentários

guest
0 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x