O Oscar está se rendendo ao multiverso. Isso porque Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, a comédia/drama/sci-fi/piração dirigida pelos Daniels, recebeu nada menos que 11 indicações ao Oscar 2023. O anúncio foi feito na última terça-feira, 24/01, pela Academia. Foi em uma cerimônia apresentada pelos atores Alisson Williams e Riz Ahmed (vencedor no ano passado pelo curta-metragem The Long Goodbye).
Só que o filme não é apenas o maior indicado da edição. Ele é, também, o maior merecedor do prêmio mais importante da noite do próximo 12 de março: Melhor Filme. Quem me acompanha, em todos os meus canais, já está avisado desde o ano passado (através dessa matéria aqui e desse vídeo aqui) que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é o melhor filme de 2022. Se for o campeão do Oscar, a Academia quebrará um jejum de três anos (desde Parasita) sem dar o maior prêmio do cinema americano para o melhor filme DE FATO.
Nas linhas abaixo, explico porque eu acho tudo isso dessa joia – e mais um pouco.
Quebra de universos
Para quem ainda não conhece: o filme conta a história de Evelyn (Michelle Yeoh), dona de uma lavanderia à beira da falência, que precisa esclarecer as contas do estabelecimento com a Receita Federal. Durante a conversa com a fiscal Deirdre (Jamie Lee Curtis), Evelyn acaba entrando no multiverso (!) e se dividindo em duas Evelyns, com ambas conectadas pela mesma consciência (!!), descobrindo – por uma versão alternativa de seu marido – que precisa acumular habilidades para salvar o mundo (!!!).
Você já até pode ter visto algo parecido em um filme mais antigo sobre multiverso: O Confronto (2001), com Jet Li. Porém, a obra de James Wong nem chega perto do que os cineastas Daniel Scheinert e Daniel Kwan tem a oferecer. Enquanto aquele é mais um filme de ação e porradaria, este aqui junta essas duas coisas com piadas visuais sensacionais, criatividade narrativa e um empenho técnico que transpira em cada fotograma. Só os momentos em que a realidade “trinca” (sim, como vidro mesmo), para demonstrar a quebra de universos, já tornam a obra diferente de tudo o que você já viu.
Infinitas possibilidades
Quando você assistir, estranhará muitas situações surreais, mirabolantes e bem bizarras. Assim, dentre várias coisas, tem uma mulher com dedos de salsicha, uma vilã que usa pênis de borracha para matar um policial, um diálogo entre duas pedras solitárias no canion e uma rosquinha gigante que pode provocar o fim do mundo. No meio disso, entretanto, tem cenas de luta muito bacanas, no melhor estilo de filmes orientais, cuja aura é reforçada pela etnia (chinesa) dos protagonistas.
Só que o mais incrível é que nada disso está na tela à toa. Cada foco de câmera é um prenúncio. Cada coisinha tem uma função, seja para brilhar por si só (inclusive como zoeira), seja para conectar outros elementos em função do todo.
Tudo graças a um roteiro que junta todas as peças de forma sublime, guiado por um fio muito enérgico, que é a direção dos Daniels. Tudo planejado e realizado com muita eficiência, em prol da diversão, adrenalina, emoção e – vejam só – reflexão. Afinal, com toda sua maluquice, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo faz pensar – como poucos filmes – sobre os resultados de nossas escolhas, infinitas possibilidades da vida e valorização do que já temos, independente do que poderíamos ter.
Empenho coletivo
Claro que, para que toda essa mensagem desse certo, o elemento humano seria essencial. E, nesse sentido, o elenco arrebenta. Começando com a protagonista Michelle Yeoh, que vai crescendo da apatia à determinação, em sua melhor atuação desde O Tigre e o Dragão (2000). Ela se desajeita, faz rir, luta, comove, cochicha, grita simultaneamente em vários universos. É, também, a força motriz de duas relações: a conjugal e a materna. E ambas nos ensinam de modo muito profundo.
Nas outras duas pontas, estão o esposo e a filha. Ke Huy Quan está maravilhoso como o marido responsável, porém frágil, e como sua versão alternativa mais determinada. Stephanie Hsu está adorável como a filha revoltada e hilária como sua outra versão badass. Inclusive, ela é a dona da minha cena preferida do filme: uma viagem multiversal em dois segundos.
Por fim, fora da família, Jamie Lee Curtis está simplesmente impagável como a fiscal rígida, que ganha uma importância maior na jornada de Evelyn. Com todo esse empenho coletivo, creio que a obra deve levar o prêmio de Melhor Elenco no Sindicato de Atores, ganhando tração ainda maior para o Oscar de Melhor Filme.
Veredito
Afinal, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo merece mesmo o Oscar de Melhor Filme? Minha resposta: sim, claro, com certeza, sem sombra de dúvidas. Até porque, dos dez indicados atuais ao prêmio principal, apenas outros dois possuem qualidade equivalente: Nada de Novo no Front, de Edward Berger, que tem o prêmio de Melhor Filme Internacional “matematicamente” em mãos; e Tár, de Todd Field, com Cate Blanchett favoritaça para Melhor Atriz. O resto nem arranha o multiverso de Evelyn.
Além da qualidade própria do filme dos Daniels e da concorrência majoritariamente abaixo em alguns degraus, a Academia está devendo uma premiação justa. Dos grandes vencedores do século XXI até agora, menos de um terço foi de puro acerto (Menina de Ouro, Os Infiltrados) e o resto se dividiu entre “tá, não é o melhor mas tá valendo” (Uma Mente Brilhante, Nomadland) e “what???” (Crash: no Limite, Green Book). E, depois de mais uma frustração no ano passado, com a vitória de No Ritmo do Coração, a Academia precisa voltar a dar o prêmio de Melhor Filme para… o melhor filme.
Contudo, para isso, a Academia tem que se render ao multiverso de vez, pois Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é o filme ideal para fazer justiça.
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.