Cidades

MPF faz duas recomendações para combater garimpo ilegal e contaminação de cianeto na Raposa Serra do Sol em Roraima

O Ministério Público Federal (MPF) expediu duas recomendações complementares de enfretamento ao garimpo ilegal na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), em Roraima. Assim como, seus graves impactos sobre as comunidades indígenas. Os documentos foram assinados nesta sexta-feira 28.

A primeira recomendação n° 25/2025 solicita tratativas diplomáticas para acordo de cooperação bilateral com a Guiana voltado ao combate coordenado do garimpo transfronteiriço. Sendo, o documento enviado aos Ministérios das Relações Exteriores, Meio Ambiente e Mudança do Clima. Também à Justiça e Segurança Pública e Povos Indígenas.

Já a segunda recomendação (n° 26/2025) orienta a remediação urgente de áreas contaminadas por cianeto identificadas durante operações de fiscalização. Receberam o documento, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério dos Povos Indígenas. Assim como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Também o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

As recomendações resultaram de investigações conduzidas em um inquérito que apura o crescimento acelerado de atividades de garimpo na terra indígena. Em março de 2025, diante da gravidade da situação, o MPF já havia recomendado ações coordenadas de fiscalização e repressão ao garimpo ilegal.

Sendo então, deflagradas três operações: Fox Uno (junho), Fox Duo (outubro) e Fox Três (novembro). Todas integradas e com participação do MPF, da Polícia Federal, do Ibama, da Funai e do Exército Brasileiro.

Garimpo transfronteiriço e impactos à TI Raposa Serra do Sol

As operações evidenciaram a dimensão transnacional do problema. Garimpos ativos em território guianense, especialmente nas proximidades da fronteira, impactam diretamente a região, aumentando a circulação irregular de pessoas e bens. Muitos garimpeiros são brasileiros que atuam do lado guianense e retornam ao território nacional trazendo ouro extraído ilegalmente.

O problema é particularmente grave no Rio Maú, no limite norte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Ou seja, no local, qualquer atividade de garimpo é constitucionalmente proibida. Balsas posicionadas em território da Guiana extraem minério do leito do Rio Maú, causando danos ambientais diretos à TI e às comunidades indígenas.

De acordo com o MPF, a ausência de acordo formal de cooperação com a Guiana impede a atuação efetiva das forças de segurança brasileiras sobre pontos de garimpo. Mesmo embora localizados em território guianense, causam danos diretos ao Brasil. Durante as fiscalizações, conseguiram identificar cinco balsas do lado guianense do rio.

A Operação Fox Três contou com cooperação informal da Força de Defesa da Guiana (Guyana Defence Force). Ela inutilizou 12 acampamentos e 9 dragas na margem guianense. Conforme o MPF, o episódio demonstrou o interesse e a capacidade operacional do país vizinho em colaborar no combate ao garimpo ilegal.

Acordo de cooperação nos moldes do pacto Brasil-França

A Recomendação nº 25/2025 propõe que o acordo com a Guiana seja nos moldes do acordo técnico de cooperação policial, institucional e operacional. Sendo, portanto, contra o garimpo ilegal de ouro firmado entre Brasil e França em janeiro de 2025, voltado ao combate ao garimpo na fronteira com a Guiana Francesa.

O MPF recomenda que o acordo proposto deverá prever:

  • Regime específico para o Rio Maú: compromisso da Guiana de não autorizar garimpo na margem do Rio Maú, que delimita a TIRSS; autorização para que forças brasileiras fiscalizem todo o leito do rio, independentemente da posição das balsas em relação ao talvegue. Assim como a possibilidade de apreensão de equipamentos e detenção de pessoas; além da vedação expressa ao uso de cianeto e mercúrio.
  • Operações coordenadas: monitoramento conjunto da região transfronteiriça e realização de operações simultâneas em ambos os lados da fronteira, com planejamento conjunto e compartilhamento de recursos logísticos e tecnológicos.
  • Intercâmbio de inteligência: canais permanentes de troca de informações sobre extração e comercialização de ouro ilegal, organizações criminosas transnacionais envolvidas, logística empregada, circulação transfronteiriça de pessoas e fornecimento de insumos químicos perigosos aos garimpeiros.

Risco concreto às comunidades indígenas

A Recomendação nº 26/2025 trata especificamente da contaminação por cianeto. Durante a Operação Fox Uno foram confirmadas estruturas de piscinas de cianeto na região da Serra, nas proximidades de comunidades indígenas.

O relatório da operação atestou a impossibilidade de descarte do material pelas forças de segurança em razão da elevada periculosidade da substância, da inexistência de equipamentos de proteção individual adequados e da ausência de pessoal especializado. O corpo técnico da Polícia Federal orientou as equipes a não se aproximarem das substâncias químicas.

O cianeto é uma substância altamente tóxica que representa grave risco ambiental e à saúde humana, podendo causar intoxicação aguda e crônica. Seu uso no garimpo contamina água, solo e fauna, com efeitos de longa duração sobre o ecossistema. A investigação do MPF identificou que a permanência dessas estruturas contaminadas na TIRSS representa risco concreto e iminente à saúde das comunidades indígenas, que podem estar expostas à contaminação por meio do consumo de água, peixes e outros alimentos provenientes de áreas afetadas.

A recomendação exige que os órgãos responsáveis adotem, com urgência, as seguintes providências:

  1. Remediação das áreas contaminadas: neutralização, inutilização e descarte ambientalmente adequado do cianeto, seja por meios próprios (equipes especializadas dos órgãos), seja mediante contratação de empresa especializada.
  2. Diagnóstico da contaminação: coleta urgente de amostras de solo, água e sedimentos para análise laboratorial, com vistas a confirmar concentrações, delimitar a extensão da contaminação, identificar todos os pontos afetados e dimensionar as ações de remediação.
  3. Plano de remediação: elaboração, no prazo de 30 dias, de plano com definição das técnicas a serem empregadas, procedimentos de segurança e cronograma de execução.
  4. Definição de responsabilidades: articulação entre os órgãos, no prazo de 15 dias, para definir qual será o responsável principal pela coordenação e execução das ações, ou alternativamente, estabelecer divisão clara de atribuições.

Vedação constitucional e direitos indígenas

A Constituição Federal veda qualquer atividade de garimpo em terras indígenas (arts. 176, §1º e 231, §3º). A Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi homologada por Decreto Presidencial em 15 de abril de 2009 e abriga comunidades dos povos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona.

A Convenção nº 169 da OIT, que no Brasil tem força de lei, estabelece que os governos devem assumir a responsabilidade de proteger os direitos dos povos indígenas. Dessa forma garantindo o respeito pela sua integridade. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas também determina que os Estados adotem medidas eficazes para garantir que não se armazenem nem se eliminem materiais perigosos em terras indígenas sem consentimento livre, prévio e informado.

Prazo para resposta

Os órgãos destinatários das duas recomendações têm 30 dias para manifestação sobre o acatamento, às medidas já adotadas ou em curso. Bem como a definição de responsabilidades e, no caso da Recomendação nº 25/2025, as tratativas diplomáticas iniciadas ou a serem iniciadas com a República Cooperativa da Guiana.

Fonte: Da Redação

Josiele Oliveira

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