Três em cada dez crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de todo o país (29% do total) já enfrentaram situações ofensivas ou discriminatórias na internet. Além disso, 30% dessas crianças e adolescentes já tiveram contato com algum desconhecido na internet.
Estes são alguns dos riscos que a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), divulgou.
“Essa proporção [de contato com pessoas desconhecidas] é maior para os mais velhos [entre as crianças e adolescentes]. Os mais velhos são mais assíduos, eles estão mais expostos aos riscos na internet. E os meios em que esse contato acontece é principalmente pelas redes sociais, por trocas de mensagens instantâneas. Isso reforça a importância para a mediação, para o uso e a participação dessas plataformas”, disse Luísa Adib, coordenadora da pesquisa TIC Kids Online Brasil.
Mais dados
Outro dado preocupante apontado pela pesquisa é para o uso excessivo da internet. Cerca de 24% do total de crianças e adolescentes ouvidos neste estudo revelaram que gostariam de passar menos tempo acessando a rede, no entanto, não conseguiram fazê-lo. Outros 22% disseram que se viram navegando na internet sem realmente estar interessado em nada.
A mesma quantidade de crianças e adolescentes (22%) também afirmou que ficou muito tempo navegando. O que a impediu de fazer a lição de casa ou de passar mais tempo com a família e os amigos.
Uso excessivo de telas
Um outro estudo da Instituto Alana, feito pelo Datafolha, já apontava para uma percepção sobre o uso excessivo da internet entre as crianças e adolescentes.
Segundo este estudo, 93% dos entrevistados concordava que as crianças e adolescentes estão ficando viciadas em redes sociais. 92% concordam que é muito difícil para crianças e adolescentes se defenderem sozinhas de violências e de conteúdos inadequados para sua idade. Por fim, 87% concordam que a exibição de propagandas e comerciais para crianças e adolescentes nas redes sociais incentiva o consumo em excesso. Do mesmo modo, 86% concordam que os conteúdos mais acessados atualmente por crianças e adolescentes não são adequados para a idade deles.
Outros apontamentos
O trabalho do Instituto Alana apontou ainda que nove em dez brasileiros acreditam que as empresas de redes sociais estão fazendo menos do que o suficiente para proteger crianças e adolescentes na internet e que as empresas deveriam tomar uma das seguintes medidas para proteger as crianças e adolescentes na internet: solicitar a comprovação de identidade dos usuários; melhorar o atendimento e apoio ao consumidor para denúncias; proibir a publicidade e venda para crianças; acabar com a reprodução automática e rolagem infinita de vídeos, como reels ou shorts; ou limitar o tempo de uso dos serviços.
“A população percebe que as empresas fazem menos do que deveriam aqui no Brasil em relação a essas salvaguardas e que é preciso que haja mais legislação”, falou Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo e líder do Eixo Digital no Instituto Alana.
Evitando excesso de riscos para as crianças
Luisa Adib explicou que para evitar o excesso e os riscos associados ao uso da internet é preciso mediação. Os pais, por exemplo, podem estabelecer regras como controle e limitação de tempo de uso da internet. Luisa alerta que essa não é uma tarefa que cabe somente aos pais ou responsáveis.
“A gente tem que tomar um cuidado para não colocar responsabilidade só sobre o responsável, sejam ele os pais, as mães ou os educadores. Eles são sim parte fundamental, a gente sabe sobre a correlação positiva entre a mediação e o benefício, um uso de qualidade, mas não são os únicos responsáveis. A gente tem uma série de contextos que envolve também as regulamentações”, destacou.
Segundo Maria Mello, os resultados observados na pesquisa do Instituto Alana acabam dialogando com o estudo TIC Kids porque também demonstraram que a responsabilidade sobre o uso da internet por crianças e adolescentes não pode decair somente sobre os pais ou responsáveis.
“Muitos pais e mães ainda sabem muito pouco sobre como proteger [seus filhos]. E isso não pode ser implicado, isso não pode estar na conta das famílias. Acho que é papel das empresas e também do Estado prover algum nível de consciência e de habilidades para que essa mediação parental aconteça”, reforçou.
“Precisa haver um acordo coletivo compartilhado, conforme preconiza a nossa Constituição Federal, para que essa presença se dê de uma maneira protegida. Agora, as famílias podem buscar, se informar sobre o que acontece nas redes, que produtos e serviços são desenvolvidos adequadamente para essa presença e sobre os termos de uso, que vão dizer se aquele produto ou serviço é apropriado para aquela idade“, orientou Maria Mello.
Acesso à internet
O estudo TIC Kids Online Brasil 2024, conduzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), apontou ainda que o número de crianças e adolescentes com acesso à internet se manteve com certa estabilidade, com um pequeno declínio em 2024. Isso em comparação ao ano passado.
Segundo o estudo, 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de todo o país são usuárias de internet no Brasil. Pouco abaixo do que a pesquisa apontou no ano passado (95%). Esse acesso é maior na região sul, onde a quase totalidade das crianças e adolescentes (98%) declararam ter acesso à rede. Já a região norte concentra a menor porcentagem de acesso do país, com 85%.
Essa desigualdade também se manifesta entre as classes sociais. Se entre as crianças e adolescentes das classes A e B o acesso é praticamente total (99%). Entre as crianças das classes D e E ele fica em torno de 91%. Já na classe C, isso corresponde a 93%.
Quedas
Já em relação aos que disseram nunca ter acessado a internet, houve uma queda. Se no ano passado, esse público correspondia a 580 mil pessoas, em 2024 um total de 492.393 pessoas revelaram nunca ter acessado a rede.
Assim, o acesso à internet é feito geralmente em casa, tanto pelas crianças e adolescentes das classes A e B (100%) quanto entre as crianças das classes C (100%) e das classes D e E (97%).
Isso aponta para uma falta de melhor infraestrutura nas escolas, já que o acesso nesses locais é 56% (entre o público das classes A e B), 56% (na classe C) e de apenas 44% (entre as classes D e E).
“Quando as crianças são tiradas do direito de acesso às tecnologias de informação e comunicação, elas também estão perdendo a oportunidade de sofrer uma série de outros direitos, a educação, o entretenimento, a comunicação, a expressão. Hoje a gente já tem muitas atividades mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação, então a gente precisa garantir o direito para todas as crianças, de forma igualitária, para que elas usufruam [destes benefícios]”, falou Luísa.
Para a pesquisa TIC Kids 2.424 crianças e adolescentes de todo o país, com idades entre 9 e 17 anos e 2.424 pais ou responsáveis tiveram escuta. O estudo ocorreu entre março e julho deste ano.
Fonte: Agência Brasil