25/06/1982: um dos melhores dias da história do cinema

Em 25 de junho de 1982, data que completou 40 anos no último fim de semana, estreava nos cinemas “Blade Runner: O Caçador de Androides” e “O Enigma de Outro Mundo”.

25/06/1982: um dos melhores dias da história do cinema
Foto: Divulgação

Não é sempre que duas obras-primas são lançadas exatamente no mesmo dia. Em 25 de junho de 1982, data que completou 40 anos no último fim de semana, estreava nos cinemas “Blade Runner: O Caçador de Androides” e “O Enigma de Outro Mundo”. Pareciam dois filmes normais, estreando em um dia qualquer. Na verdade, acabou sendo isso mesmo na época, tanto que o saldo final de ambos na bilheteria, juntos, não chegou a 50 milhões de dólares. A maioria do público, porém, mal sabia a oportunidade de ouro que estavam perdendo. Mal sabiam que esse foi um dos melhores dias da história do cinema.

“Blade Runner” e “O Enigma de Outro Mundo” estão em um patamar bem acima dos outros. O primeiro se tornou uma das ficções-científicas mais influentes de todos os tempos. O segundo briga com “A Mosca” e “Fogo Contra Fogo” pelo título de melhor remake já feito – e, para mim, ganha. Cada um teve seu jeito de entrar na reescrita da trajetória da Sétima Arte, só que juntos, em um combo maravilhoso que não teve sua força sentida quando foram lançados. Contudo, o tempo foi benevolente e se encarregou de preservar esse impacto, resultando em um legado maior do que qualquer pessoa imaginaria.

Lágrimas na chuva

“Blade Runner: O Caçador de Androides” já começou mal com os produtores, que detestaram a visão paciente e reflexiva do diretor Ridley Scott. Muito “entendidos” de cinema, aparentemente nem deram bola para o rigor cenográfico, a trilha fantástica de Vangelis e, principalmente, a confiança na sensibilidade do público a questões complexas. O estúdio fez um corte diferente do original para ficar, digamos, mais agradável ao público. Não deu certo: menos de 30 milhões de dólares arrecadados nos EUA, praticamente o valor do orçamento. Um fracasso que parecia sumir no tempo, como lágrimas na chuva.

Porém, o lançamento em VHS fez a obra ser revisada e sua influência passou a ser percebida não em meros produtos, mas em outras grandes obras, dentre filmes (“Matrix”), séries (“Battlestar Galactica”), animes (“Akira”) e até videogames (“Perfect Dark”, do Nintendo 64). Podemos concluir que “Blade Runner” foi o terceiro grande salto na ficção-científica no cinema, depois de “Metropolis” (1928) e “2001: Uma Odisséia no Espaço” (1969)? Presumo que sim. Ao contrário de Ridley Scott, o publico não foi visionário o bastante para ter enxergado esse potencial. Azar do povo.

Quem é o impostor?

“O Enigma de Outro Mundo” teve mais sorte nos bastidores. O diretor John Carpenter soltou a imaginação com sua primeira obra de médio orçamento e trabalhou do jeito que quis, com carta branca total do estúdio. Por isso, a recepção exageradamente negativa, de todos os lados, foi um enigma (ops!) para o cineasta. A bilheteria só se pagou – levando a Universal a cancelar o contrato com Carpenter para projetos futuros – e os críticos chamaram o filme de nojento para baixo. A implicância foi tanta que até ao Framboesa de Ouro ele foi indicado. E para Pior Trilha Sonora para… Ennio Morricone!

“Onde estavam com a cabeça?”, a gente se pergunta. Afinal, era um misto bem feito de terror gráfico e atmosfera paranoica, com o melhor dos efeitos práticos e o talento narrativo de Carpenter no máximo. Com o passar dos anos, o monstro sem forma definida se disfarçou na cultura-pop. Basta olhar as séries “Arquivo X” e, atualmente, “Stranger Things”. Ou a filmografia de admiradores, como Guillermo del Toro (“O Labirinto do Fauno)“, J.J. Abrams (“Super 8”), Robert Rodriguez (“Prova Final”) e Quentin Tarantino (“Os Oito Odiados”). Ou o game “Among Us” (aquele de descobrir quem é o impostor). Foi chamado de lixo. Hoje, é um clássico.

Que ano!

“Blade Runner” e “O Enigma de Outro Mundo” tem mais em comum que a data de nascimento. Os dois são filmes maravilhosos, à frente de seu tempo, rejeitados inicialmente e compreendidos posteriormente. Cada um deles é o melhor filme de seus respectivos criadores e, também, seus pesadelos. A diferença é que Ridley Scott bateu cabeça com a produção em si, enquanto John Carpenter sentiu uma dolorosa ferida artística com a repercussão ruim. E ambos perderam para uma concorrência que tinha “só” esses aqui: “E.T.: O Extraterrestre”, “Conan: O Bárbaro” e “Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan”.

E vamos falar: que ano foi 1982. Além das joias acima, houve as estreias do primeiro “Rambo”, o segundo “Mad Max”, o terceiro “Rocky”, “Poltergeist” e “Tron: Uma Odisséia Eletrônica”. Foi o ano de “Tootsie” e de dramas imensos como “Desaparecido”, “A Testemunha”, “A Escolha de Sofia” e o futuro vencedor do Oscar “Gandhi”. Porém, “só” os dois melhores foram lançados de uma só vez. Com “Blade Runner” e “O Enigma de Outro Mundo”, o dia 25 de junho de 1982 foi um dos melhores da história do cinema. Pena que a ficha tenha demorado tanto a cair, para os humilhados serem, merecidamente, exaltados.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Todo fim de semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema. 

 

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Thays

Parabéns ótima crítica! Vencer de A mosca não é fácil em, esse filme de causa calafrios. Os críticos de enigma de outro mundo vendo os filmes de hoje me dia 🤡.

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