“A Longa Marcha” reafirma: o Stephen King “humano” é o melhor

A coluna de hoje fala sobre o filme “A Longa Marcha”, nova adaptação da obra de Stephen King nos cinemas. Boa leitura!

“A Longa Marcha” reafirma: o Stephen King “humano” é o melhor
THE LONG WALK, foreground from left: Cooper Hoffman, David Jonsson, 2025. ph: Murray Close / © Lionsgate / courtesy Everett Collection

O escritor Stephen King é o mestre do terror literário, quase sempre com temas sobrenaturais e criaturas fantásticas, como lobisomens (A Hora do Lobisomem), vampiros (A Hora do Vampiro), mortos-vivos (Cemitério Maldito), veículos mortais (Cristine: O Carro Assassino) e até eletrodomésticos possuídos (Comboio do Terror, um filme para morrer antes de ver).

Porem, percebeu que suas melhores adaptações para cinema são de histórias que não tem nenhum desses bichos? Basta ver obras como Conta Comigo (1986), belo drama jovem que fez a infância dos milenials; Louca Obsessão (1990), com uma Kathy Bates mais assustadora que qualquer monstro; e os emocionantes dramas prisionais Um Sonho de Liberdade (1994) e À Espera de um Milagre (1999). Mesmo com um elemento sobrenatural, neste último ainda prevalece a comoção e a humanidade.

O escritor Stephen King

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra (2025), lançado no último fim de semana nos cinemas, também não tem nenhuma criatura fantástica, nem poderes especiais. E não é só uma das melhores adaptações recentes do autor como, também, é um dos melhores filmes do ano.

Único sobrevivente

A trama se passa em um futuro distópico onde os EUA são governados por um regime totalitário. Anualmente, um evento televisionado chamado Longa Marcha convoca vários jovens para um desafio: caminhar sem parar por um trajeto sem linha de chegada, até todos se cansarem e saírem da corrida. O último que aguentar vence e leva o prêmio. Simples, não?

Entretanto, um detalhe faz toda a diferença: quem sai da corrida leva chumbo na cara. Em outras palavras, perder significa morrer e o vencedor, na verdade, torna-se o único sobrevivente.

Jovens na pré-competicão: rindo de nervoso

O início do filme mostra o protagonista Ray Garraty (Cooper Hoffman) se despedindo da mãe (Judy Greer) antes de entrar na competição. As lágrimas dela não dizem muito sobre o que está acontecendo. Porem, não demora muito para a corrida começar, a primeira pessoa tombar e A Longa Marcha mostrar a que veio.

É para chocar

O filme de Francis Lawrence (saga Jogos Vorazes) não é exatamente um terror. Apesar do sangue e do pavor por imaginar o ambiente distópico da trama, A Longa Marcha está mais para um thriller violento. E dos bons, pois, mesmo não sendo “de terror”, o coração do espectador pode pular a níveis alarmantes. Isso porque, aqui, nosso medo não está focado na figura de quem mata, mas na iminência da perda de cada competidor. É como se víssemos um ente querido morrer, independente de quem seja o assassino.

Na mira do sistema: desistência?

Todo esse sofrimento (no bom sentido) se dá graças a nosso envolvimento com personagens bem construídos. Tudo proporcionado pelo roteiro enxuto e empático de TJ Mollner, que deposita sua força nos diálogos intimistas e na boa cadência dos acontecimentos. Difícil não morrer de raiva de um competidor que acaba causando a morte de um concorrente que não aguentou uma provocação. E lamentamos até mesmo a primeira desistência, que não faria diferença em um script raso, mas que já nos deixa angustiado aqui.

E, para essa perda ser mais sentida, Lawrence não poupa violência. É para chocar, é para preocupar, é para levar a sério. Quando o protagonista toma a última advertência, minha poltrona do cinema já estava arranhada.

Três mosqueteiros

Falando nele, Ray é um jovem que está claramente fora de forma, mas que vê nessa caminhada macabra uma chance de alcançar um objetivo específico (de que não falarei, obviamente). Sua determinação é colocada à prova quando confrontado pelo terror psicológico, testemunhando jovens da mesma idade desistindo de viver. Felizmente, Ray ganha a amizade do otimista Peter (David Jonsson, sensacional), que não deixa a peteca cair – nem a dele, nem a de Ray. Sabe Sam e Frodo, de O Senhor dos Anéis? Pois é: Peter é o Sam.

Mark Hamill as The Major in The Long Walk. Photo Credit: Murray Close/Lionsgate

E, sim, os outros personagens também importam. Arthur (Tut Nyout) é o terceiro membro dos “três mosqueteiros” principais. Thomas (Roman Griffin Davis, de Jojo Rabbit) é um rapaz franzino, daqueles que não sabemos o que está fazendo ali. Hank (Ben Wang, de Karate Kid: Lendas) é um dos novos amigos de Ray, que mais rasteja do que anda. O escritor Richard Harkness (Jordan Gonzalez) está entre eles para escrever um livro sobre a Marcha, com a propriedade de quem participou do evento (se sobreviver, claro). E tem o odioso Gary (Charlie Plummer), que enche o saco de todo mundo. É um elenco que esbanja carisma.

O único personagem unilateral é o Major que comanda a Marcha, interpretado por Mark “Luke Sywalker” Hammil. Mas ok, não é sobre ele.

Apocalipse plausível

O mais interessante nessa competição é que a intenção geral não é passar a perna no outro. Ao contrário: assim como Ray e Peter, os andarilhos procuram a colaboração mútua. Um precisa do outro para continuar de pé, para chacoalhar o “vizinho” caso ele durma andando ou para se distrair mesmo, conversando e tentando rir. Enfim, vivendo enquanto podem, mas como força coletiva, mesmo incertos do final.

Caminhando e não cantando

A Longa Marcha pode até tratar de um futuro distópico, mas poderia não ser. Alias, nem parece que a trama se passa no futuro. Poderia ser no presente mesmo. Bastaria um regime totalitário, uma desculpa esfarrapada disfarçada de patriotismo, muita crueldade e a desesperança generalizada da população.

Stephen King criou um Apocalipse plausível, recriada para o cinema de forma espetacular. É um filme que só reforça uma coisa: mesmo que seu lado “monstruoso” seja mais popular, o Stephen King “humano” é o melhor do cinema. Até porque os monstros da vida real são os que mais dão medo mesmo.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

Comentários

guest
0 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x