“Casa Gucci” junta drama e paródia ao desvendar um crime real

A matéria de hoje fala sobre o filme “Casa Gucci”, protagonizado por Lady Gaga e Adam Driver, sobre o crime que chocou o mundo da moda.

“Casa Gucci” junta drama e paródia ao desvendar um crime real

A designer de moda Patrizia Gucci revelou, em uma entrevista à The Associated Press, que não gostou da representação de sua família no filme “A Casa Gucci”. Segundo a bisneta do criador da famosa grife, Hollywood estaria apenas explorando o nome da família dela para visar o lucro. E ainda foi mais específica: achou vergonhosas as escolhas de Al Pacino e Jared Leto para viverem, respectivamente, Aldo e Paolo Gucci. Assim, a estilista entra no já imenso rol de personagens reais que se viram – ou, caso dela, viram seus parentes – mal representados no cinema.

Apesar disso, não dá para tirar a razão dela. Isso porque o cineasta Ridley Scott faz de “Casa Gucci” um tráfego entre o drama e a paródia. Baseado no livro “Casa Gucci: Uma História de Glamour, Cobiça, Loucura e Morte”, de Sara Gay Forden, o longa procura desvendar os passos que levaram ao assassinato de Maurizio Gucci, um crime que chocou a Itália e, sobretudo, o mundo da moda em 1995. Por outro lado, o cineasta ridiculariza todos os elementos envolvidos nessa história, da composição dos personagens à atmosfera cafona. E parece ser de propósito.

Castelo de dominós

Contudo, minha opinião sobre a obra vai contra a maré de boa parte da crítica. Isso porque eu me diverti, não apesar dessa ridicularização, mas POR CAUSA dela. Ainda mais que o enredo começa ambientado na Itália da década de 1970, quando Patrizia Reggiani (Lady Gaga), uma moça que ajuda nos negócios do pai, vai a uma festa e conhece Maurizio Gucci (Adam Driver). Ambos se apaixonam e se casam sem o consentimento do pai dele, Rodolfo (Jeremy Irons). Porém, fazem as pazes com a ajuda do tio Aldo (Al Pacino) e, com isso, Patrizia entra nos negócios da família.

Nem é preciso sair dos trailers para ver que Lady Gaga é o grande destaque de “Casa Gucci”. Sua atuação é o centro de tudo e que salva boa parte dos problemas de roteiro e edição. Tanto que a coisa desanda quando ela sai de cena e os roteiristas Becky Johnston e Roberto Bentivegna miram em outros arcos. É tipo um castelo de dominós que desaba quando retiramos uma peça. E a queda fica mais feia (aliás, horrorosa) com a presença de Paolo Gucci, transformado em um bocó de dimensões atômicas com a atuação exagerada de Jared Leto (e algo me diz que o Framboesa de Ouro já sentiu o cheiro de indicação).

Ridicularização ao pé da letra

Por outro lado, uma pena que Jeremy Irons fique tão pouco tempo em cena. Sua presença é magnética e espetacular como o patriarca da família, que já olhou atravessado para Patrizia desde a primeira vez em que ela pisou na Casa Gucci. Assim como Al Pacino, mostrando que sabe o que faz como Aldo, o tio de Maurizio e – na vida real – o responsável por transformar a Gucci em um império. Adam Driver está ok e Salma Hayek mal aparece. O que quase todos tem em comum? O sotaque que puxa a letra “r” de um jeito que está mais para russo que para italiano. Nossa,… já falei que Jared Leto está horroroso.

Pior é que até esse sotaque medonho parece fazer parte do clima paródico da obra, o que mostra o quanto Ridley Scott levou a ridicularização ao pé da letra. Sim, ele sabe o sabe o que quer fazer, o que quer mostrar. As ambientações setentista e oitentista captam bem essa natureza brega-chique, só que os figurinos são mais bregas do que chiques. E por mim, tudo bem. O grande problema da obra não é estético, mas narrativo. A edição faz cortes abruptos, saltos temporais que não sentimos e uma mudança súbita de humor dos personagens que tira toda a fluidez e, com isso, o potencial sério dessa história.

Muito me admira a editora Claire Simpson, profissional talentosa que ganhou o Oscar de Melhor Edição por seu trabalho na obra-prima “Platoon” (1986), de Oliver Stone; fez cortes brilhantes em “Wall Street: Poder e Cobiça” (1987) e “O Jardineiro Fiel” (2005), que mexe com flashbacks e, portanto, com saltos temporais também; e trabalhou nos dois filmes anteriores de Ridley Scott, “Todo o Dinheiro do Mundo” (2017) e “O Último Duelo” (2021). Neste último, lançado no mês passado no Brasil, mostrou vários pontos de vistas diferentes e, ainda assim, deixou a narrativa interessante. Pois parece que foi aqui que ela deixou as forças, porque a edição apressada de “Casa Gucci” não lembra em nada sua bela arquitetura com as imagens.

Veredito

No fim das contas, “Casa Gucci” tinha potencial para ser o “A Rede Social” dos crimes reais. Poderia ser um estudo sobre poder e controle em meio à futilidade. Sobre a proporção inversa do crescimento de uma marca célebre e a triste realidade de seus bastidores. Sobre o retrato de uma geração patética que perde a humanidade aos poucos. Scott até acertou no tom Pop e não-sério, mas falhou em unificar os elementos para seu propósito. Mesmo podendo ser mais, temos um filme divertido e avacalhador sobre uma mulher obcecada pela marca e determinada a ir longe para chegar no topo. Não foi sobre os Gucci originais, mas sobre uma intrusa que se tornou uma Gucci. E sua intérprete entendeu isso como ninguem mais no set.

No mundo real, virou uma história sobre a cara de pau. É que o filme gerou reclamação também de outra Patrizia: a Reggiani. Sim, a própria. A mandante do assassinato de Maurizio Gucci reclamou que Lady Gaga não conversou com ela sobre a composição da personagem, dizendo que seria uma questão de respeito (!) e que isso não se faz (!!). Por sua vez, Gaga disse que, para a composição da personagem, não queria interferência nem da própria Patrizia Reggiani. Deu certo. A atriz e cantora mergulhou tanto na personagem que até precisou ser “exorcizada” pela equipe. Ainda bem que nem tentou isso sozinha. Vai que ela mergulha ainda mais. Vai que, na hora da reza, ela acaba repetindo uma frase do filme: “Em nome do Pai, Filho e Casa Gucci”.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda sexta-feira aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

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