Lançado há cinco anos, “Corra!” envelhece cada vez melhor

A coluna de hoje comemora os cinco anos de “Corra!”, dono do melhor roteiro do século, segundo o Sindicato de Roteiristas. Boa leitura!

Lançado há cinco anos, “Corra!” envelhece cada vez melhor

Em fevereiro de 2017, eu estava no Twitter quando vi uma publicação do crítico de cinema Rodrigo Salem citando “Get Out!” como o melhor filme do ano até aquele momento. Ainda estávamos no início do ano, mas minha curiosidade foi atiçada com sucesso. Intitulado “Corra!” no Brasil, a obra do estreante Jordan Peele chegou aos cinemas tupiniquins só em maio. Minha amiga e eu pagamos para ver. Quando as luzes se acenderam, nossos queixos ainda estavam no chão.

Isso porque está cada vez mais difícil algum filme causar isso. Afinal, a chichêzada tomou tanta conta do cinema de horror que não dá mais para se surpreender. A mesma história com outra roupagem, crianças malignas, pais divorciados que precisam se unir para proteger os filhos do mal, narrativas ocas e arrastadas (para “justificar” a duração do longa), jump scares fajutos e outras cositas mas.

E, do nada, chega um produto original, inteligente, criativo, sarcástico, bem realizado e com elenco afiadíssimo. Mais ainda, tem uma mensagem repassada de um jeito que não é visto nem em dramas pretensiosamente densos. Por isso, no meio de tanta repetição, inclusive em outros gêneros, “Corra!” caiu como uma bomba.

Tãaaaaaao legais

Para quem não conhece, o longa é sobre Chris (Daniel Kaluuya) e Rose (Allison Williams), um casal inter-racial que está prestes a visitar a casa de campo dos pais dela. Dean (Bradley Whitford) e Missy (Catherine Keener) são os pais de Rose, que acolhem o genro muito facilmente, sendo amistosos demais, empáticos demais (inclusive, exaltando o ex-presidente Barack Obama). O genro fica lisonjeado, mas continua ressabiado.

Apresentando aos sogros: estranheza

Enquanto eles apresentam a casa a Chris, o jovem se depara com a segunda estranheza: o casal de empregados domésticos, Georgina (Betty Gabriel) e Walter (Marcus Henderson). Dizer que eles se comportam como servos é pouco. As expressões de ambos parecem robóticas – com direito a avarias e tudo. Por que eles agem assim? E por que os sogros são tãaaaaao legais? Esse mistério é desvendado aos poucos e revela uma realidade que ele nunca imaginou. Para ser sincero, nem nós.

What a f***?

O desenvolvimento das ideias é fascinante. Cada passo avançado pela trama é calculado para gerar tensão e uma curiosidade desgraçada cada vez maiores. Por exemplo, quando o protagonista avista um outro rapaz negro, que faz um exibicionismo esquisito a um grupo de velhos brancos, Chris verbaliza o que nós, do lado de cá, já estamos pensando: What a fuck?. Quando as dúvidas se dissipam, o impacto não está somente na revelação em si, mas também na agregação desta com uma denúncia racial sagaz, sarcástica e muito forte.

Betty Gabriel como Georgina: elenco afiado

A porção cineasta de Peele brilha tanto quanto seu texto. Ele conduz a narrativa de “Corra!” como um maestro, pontuando quando cada elemento deve entrar na “partitura” e o tempo exato que deve durar. Estereótipos raciais, uma parada policial, uma xícara de chá, telefones celulares,… Nada escapa da captura imaginativa do diretor/roteirista, já que ele interliga as energias desses elementos para montar um roteiro orgânico e muito bem convertido em imagens e ritmo. Coisa de gênio.

Roteiro do século

Para coroar de vez a obra, as atuações estão espetaculares, principalmente Daniel Kaluuya, que segura bem como um protagonista desconfiado e que sabe que está acuado, e Betty Gabriel, que dá um tom assustador e ambíguo à empregada de comportamento estranho. Pena que somente ele foi indicado ao Oscar. Aliás, a presença do filme na premiação foi uma excelente notícia, já que foi lançado no início do ano e, portanto, longe do calor das premiações e apostas. Venceu merecidamente o prêmio de Melhor Roteiro Original.

Daniel Kaluuya e o diretor Jordan Peele: cena-chave

Mais que a Academia, no entanto, o que mais fez bem a “Corra!” foi o tempo. Quanto mais envelhece, melhor fica e mais evidente se torna sua importância como uma arte que ultrapassa gêneros. Ou seja, é drama, comédia, terror, crítica social, a constatação do imenso talento de seus envolvidos e um dos melhores filmes desde a virada do milênio. No ano passado, o Sindicato de Roteiristas dos EUA o elegeu como o Melhor Roteiro do Século. Isso com cinco anos de lançamento recém-completados. E aposto que ainda falaremos sobre ele nos próximos anos, porque nenhum outro terror atual conseguiu enconstar nisso.

A crítica completa estará em breve no canal Tomada Um.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda sexta-feira aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema. 

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