O patriotismo hipócrita do brilhante “Nada de Novo no Front”

A coluna de hoje fala sobre o filme “Nada de Novo no Front” e de sua abordagem de um patriotismo cego que só leva à morte. Boa leitura!

O patriotismo hipócrita do brilhante “Nada de Novo no Front”

Nós assistimos a tantos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, de confrontos propriamente ditos (O Resgate do Soldado Ryan, Dunkirk) ao estudo do nazismo (A Lista de Schindler, O Pianista), que até esquecemos que houve uma Primeira. Enfim, são tantas obras boas (algumas obras-primas, inclusive) que parece haver pouco interesse em abordar o conflito europeu que durou de 1914 a 1918. Mesmo assim, de vez em quando, alguém aparece para mostrar o quão rico pode ser um filme sobre as trincheiras. E, de tantos temas, nenhum é abordado de maneira tão feroz pela Primeira Guerra Mundial quanto o patriotismo hipócrita e sem sentido.

Afinal, três filmes corroboram isso: Sem Novidades no Front (1930), terceiro vencedor do Oscar de Melhor Filme do cinema; Glória Feita de Sangue (1957), um dos meus clássicos favoritos de Stanley Kubrick: e, agora, Nada de Novo no Front (2022), remake alemão do primeiro citado. E mais: foi o melhor filme da Netflix do ano passado (como já disse aqui).

Campo de batalha

Baseado no romance All Quiet on the Western Front, de Erich Maria Remarque, o filme de Edward Berger fala sobre jovens alemães que são convocados para a guerra. Eles estão entusiasmados em servir a pátria e dar o sangue em nome da Alemanha. O protagonista é Paul Bäumer (Felix Kammerer), um desses jovens que, dentro do campo de batalha, descobrem o terror das trincheiras e a desilusão de ver os colegas morrendo ao seu lado.

E quando digo “colegas”, não me refiro apenas aos alemães. Em um trecho muito doloroso, Paul luta mano-a-mano com um inimigo e o atinge fatalmente. Contudo, sua humanidade fala alto e ele dá água para o moribundo. Quando ele morre, Paul tira a carteira dele e vê uma foto de família do homem, mostrando que havia um outro ser humano do lado oposto – e que, possivelmente, entrou nessa também embriagado pela glória de seu país.

Honra e cabeça erguida

Se essa parte é emocionante, há uma outra que é revoltante. É no momento em que, finalmente, a guerra deveria terminar aos jovens, todos já devastados de corpo e alma. Daí um general os incentiva a não se entregar “tão fácilmente” e ordena para que voltem ao campo de batalha para lutar até o último segundo. A câmera se aproxima do rosto de um deles mostrando a tristeza e desolação com essa decisão superior.

Tudo em nome do patriotismo. Para eles, manter a honra e a cabeça erguida era mais importante que salvar os soldados alemães da morte certa. Só era muito conveniente que a ordem fosse dada por alguém que, por desfrutar de teto e comida boa, não precisava vivenciar os horrores das trincheiras. A Alemanha deveria se render, mas o orgulho falou mais alto e foram os soldados que pagaram o pato.

Em nome da pátria

As duas versões, de 1930 e de 2022, falam sobre o mesmo tema e são diretos ao ponto. A diferença, porém, está no tipo de abordagem. Enquanto o primeiro verbaliza a mensagem, o segundo deixa a força das imagens falar por si, com um conjunto técnico brilhante e uma ironia dolorosa. Até existe um filho do meio, lançado em 1979 para a TV, mas nem chega perto dos outros dois. E o último é um soco.

“Glória Feita de Sangue” (1957): clássico antibelicista

A última vez que sentimos uma pancada assim foi pelas mãos de Kubrick. Glória Feita de Sangue, que narra a história de três soldados que desobedeceram uma ordem claramente suicida, mete o dedo na ferida e mostra a que ponto chega a desumanidade em nome da pátria. Ou seja, em uma guerra, o poder de decisão pela própria vida, infelizmente, não dependia do portador dessa vida. Achavam que eram vidas dadas por um país melhor, mas não. Na verdade, era por gente que estava longe dali, mais satisfeita com o próprio ego.

De olho no Oscar

Por isso, Nada de Novo no Front faz parte da pré-lista de indicados ao Oscar 2023 em várias categorias. Provavelmente, será o favorito para Melhor Filme Internacional. E creio que possa ser indicado a Melhor Filme também. Afinal, é um dos melhores filmes da temporada. E está na Netflix.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema. 

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