“Separados Pelo Casamento” ainda conversa bem sobre falhas conjugais

A coluna de hoje é uma revisão da comédia romântica “Separados Pelo Casamento” (2006) e como ela ainda permanece atemporal. Boa leitura!

“Separados Pelo Casamento” ainda conversa bem sobre falhas conjugais

Dia desses, assisti à comédia romântica Separados Pelo Casamento (2006), pela segunda vez na vida. Na primeira sessão, ainda na época do lançamento em DVD, eu já tinha me quebrado com a conclusão da história. Isso porque a obra trata de uma relação conturbada em que o casal não se entende, mas ambos não dão o braço a torcer. Quando a separação acontece, cada um decide que não vai sair do apartamento onde moram e passam a provocar um ao outro até que o ex-parceiro desista.

Acabei revisitando esse filme de Peyton Reed (um década antes de entrar no Universo Marvel com Homem-Formiga) para ver como seria minha visão após quase duas décadas de experiências amorosas, algumas com revezes até parecidos com os apresentados na obra.

Minha conclusão é de que o filme só cresceu com o tempo. Tanto que passei a considerá-lo uma das melhores comédias românticas que já vi. Aliás, ela retrata a separação de uma forma dolorosa demais para o subgênero, considerando que a maioria desses filmes segue o esquema de guerra conjugal, boas piadas e situações embaraçosas, terminando com o convencional final feliz.

Separados Pelo Casamento pode até se comportar assim também, mas no final, ele ensina muito sobre relacionamentos de pessoas que não se combinam. Mais precisamente, é um filme que ensina sobre amor e romantismo de forma oposta ao habitual, dizendo o que devemos ser para com outro, mostrando, justamente, o que NÃO ser.

Orgulhosos demais

Na trama, Gary (Vince Vaughn) conhece Brooke (Jennifer Aniston) em um jogo de beisebol, do Chicago Cubs. O fato dela já estar acompanhada não intimida Gary e ele parte para a conquista, iniciando um namoro. Apesar da abertura agridoce, o filme pula toda essa etapa de construção da relação do casamento e vai direto ao status de consolidação, com ele chegando do trabalho e ela preparando o jantar.

Conversa de casal (e briga em seguida)

E aqui começa a picuinha que avançará ao término da relação, já mostrando a incompatibilidade de ideias e objetivos de cada um. Enquanto ela queria que Gary a ajudasse na preparação da mesa para uma visita da família, ele só queria relaxar depois de um dia de trabalho. Uma vez decidida a separação, nenhum dos dois abre mão do apartamento onde moram. Ambos são orgulhosos demais para sair do lugar e um passa a infernizar a vida do outro e vice-versa.

(ALERTA DE SPOILER DO FINAL!)

 

A diferença com outras comédias românticas está no final, pois não há reconciliação. Depois de muita coisa, eles vendem o apartamento e se mudam, cada um com seu rumo próprio. O filme termina com os dois se esbarrando na rua, algum tempo depois, e tendo o único diálogo bom entre eles, em toda a metragem. Um fim tranquilo, mas de quebrar o coração.

Trinta laranjas

Um mesmo diálogo revela que o maior problema de Gary é que ele não consegue enxergar qual o ponto de Brooke nas reclamações dela. Veja só: ela pede que ele lave a louça, ele se prontifica a obedecer, mas ela permanece zangada e ele não entende. Ele não percebe que o problema não é somente o fato dele não lavar: é o fato de ele não QUERER lavar. É o fato de Brooke precisar pedir a ele, ao invés de ele mesmo se prontificar a isso antes dela pedir.

“Eu pedi doze laranjas”

Menos de um minuto depois, Brooke joga na cara dele que ele só comprou três laranjas, ao invés de doze, como ela pediu. E ele retrucou que, se ele soubesse que isso chegaria nesse ponto, ele teria trazido trinta laranjas.

Ele não entendeu que nunca foi sobre laranjas.

E, mais tarde, ela reclama que Gary nunca comprou flores a ela. Porém, ele a relembra que ela mesma tinha revelado, no primeiro encontro, que ela não gostava de flores. Quando ela rebate dizendo que toda mulher gosta de flores, ele indaga: “Você diz que não gosta de flores e eu devia entender que você gosta de flores?”.

Ele não entendeu que nunca foi sobre flores.

Falha de comunicação

A essa altura, você deve se perguntar o que ela faz com um homem que não entende nada, não é? Não é tão simples assim, porque também há situações em que ela poderia ter ajudado. Não adiantava Brooke mandar mil sinais a Gary, pois ele só entendia se ela verbalizasse seu pedido, com todas as letras.

“Eu só quero que você me deixe em paz”

Isso porque cada um tem um senso de comunicação oposto ao do outro. Ela é subjetiva, enquanto ele é objetivo. Para ela, precisar dizer o que fazer é um problema. Já para ele, é uma solução. A falha de comunicação está aí e nenhum dos dois sai de sua própria bolha. Enquanto ele quer que ela fale, ela quer que ele já se toque. A cena da brincadeira de adivinhar o desenho é a alegoria perfeita de como Gary nunca entende o que Brooke quer dizer.

Essa diferença é mais cristalina na cena em que Brooke desabafa a Gary sobre seus sentimentos e o desgaste de procurar resolver tudo sozinha. Ele pergunta por que ela não disse isso antes. Ela responde que tentou dizer, mas ele retruca: “Mas nunca desse jeito. Você pode ter falado algumas coisas, meio que por indiretas, Brooke, mas eu não sou adivinho”.

E vem a triste resposta de Brooke: “Agora não importa mais. Você é o que é”.

Egoísta inconsciente

Essa é uma das melhores coisas do roteiro: não pintar Gary como vilão. Apesar do filme mostrar claramente que é Brooke que mais se esforça pelo casamento, ele não é uma pessoa ruim. Ele “só” é egoísta, algo que até pessoas boas podem ser.

Não que pensar somente em si próprio deva ser desconsiderado – até porque uma relação amorosa precisa ser uma via de mão dupla. Porem, Gary parece ser um caso de egoísta inconsciente. Em outras palavras, ele não sabe que está sendo egoísta, pois pensa que é uma pessoa normal. E, como quase toda pessoa egoísta (consciente ou não), ele nunca se sente responsável por seus problemas. No caso do filme, ele acha que ela é quem deve compreendê-lo, não o contrário. Ela é que teria que ver que ele chega em casa cansado e só quer relaxar, seja vendo um jogo, seja jogando videogame. Logo, a “culpa” do estrago seria só dela.

Gary tentando relaxar

É só no ato final que a ficha dele cai, quando seu melhor amigo dá exemplos (falando com todas as letras) de como ele nunca faz o que não quer. Que, toda vez, os amigos é que tinham que se adaptar às vontades dele e que a recíproca não existia. Nem com os amigos e muito menos com a (ex-)esposa. Foi o que faltava para ele descobrir a própria incapacidade de se sacrificar por outra pessoa e que ele precisava mudar isso. Infelizmente, ele acordou tarde demais.

Babá de adulto

É muito fácil cruzar os braços e esperar que o outro mude por conta própria. Afinal, como adulto, o outro já deveria saber o que fazer, sem precisar ser ensinado, não é verdade?

No entanto, esse pensamento pode ser um perigo para a relação. Isso porque nem todo mundo tem a habilidade de captar as coisas no ar. Nem todo mundo consegue perceber o que você percebe. Vivências diferentes resultam em bagagens diferentes. Compreender que o parceiro não é (e nem precisa ser) como você é fundamental para uma boa comunicação. E, se necessário, você vai precisar mostrar-lhe como as coisas são e como deveriam ser.

Brooke desabafa: “Você é o que é”

Não se trata de “pegar pela mão” ou ser “babá de adulto”. Até porque é muita ingenuidade pensar que o egoísmo humano é exclusividade de crianças e adolescentes. Grande parte das maiores besteiras egoístas já cometidas pela humanidade foi por adultos mesmo. Gavrilo Princip tinha 20 anos quando assassinou um príncipe e causou a Primeira Guerra Mundial, enquanto Hitler tinha mais de 40 anos quando causou a Segunda.

Voltando à guerra dos sexos, sim, Brooke precisava esclarecer a Gary que ele não precisava gostar de fazer as coisas, mas precisava valorizar a pessoa que ama. Esse era o ponto. Por incrível que pareça, nem todo mundo acha isso óbvio.

Mesa de sinuca

Tudo isso, claro, não diminui o egoísmo de Gary. Mesmo com todo empurrãozinho que Brooke pudesse dar, era ele quem mais tinha que dar o braço a torcer. Nunca pediu desculpas por não ter feito as compras que ela pediu. Nem se prontificou a ajudá-la na preparação do jantar, que não era uma atividade diária, mas um evento familiar esporádico. Ele poderia ter saído de sua zona de conforto só desta vez para compensar no dia seguinte. Mas não: preferiu seguir seu roteiro de relaxamento, desconsiderando que Brooke também precisava relaxar. Em suma, o filme deixa claro que ele nunca pensava em mais ninguém além de si mesmo. Isso mostra que fazer sua parte não é suficiente, se o outro não se importa.

“Não sinto mais a mesma coisa”

No entanto, tem uma pergunta que muitos casais sequer devem fazer a si mesmos: e se o que estivermos fazendo ao outro também não for o suficiente? Gary nunca se perguntou isso. Brooke até fazia sua parte como podia, mas nunca deixou o marido ter uma mesa de sinuca em casa, por exemplo. Podia parecer bobagem a ela, mas era um sonho dele. Ela tanto reconhece que poderia ter feito diferente que, na entrega das chaves do apartamento, ela admite que, com alguns ajustes nas mobílias, uma mesa de sinuca caberia na sala.

O roteiro pode simplificar algumas coisas (mudança requer um pouco mais que um aviso de um amigo), mas funciona para a mensagem do filme. E esses pequenos arrependimentos pós-separação são muito reais. Quem passou por isso sabe.

Melhor presente

O que Separados Pelo Casamento nos diz é que, às vezes, precisamos sair de nossas amarras. Não precisamos gostar das coisas que o cônjuge gosta, nem entender por que ele gosta delas. Afinal, não é sobre a “coisa” em questão, mas sobre quem a aprecia. Gary não precisava se importar com estética para comprar as laranjas que Brooke pediu. Ornamentar a mesa de jantar era importante para ela. Bem como Brooke também não precisava gostar de jogos, mas era importante a ele.

Darei um exemplo pessoal. Minha noiva gosta de filmes, mas cinema não é tão importante assim para ela. Porém, ela sabia que eu sempre quis um canal para falar sobre o tema, que é minha paixão. Em 2020, ela criou um canal no YouTube e me deu no Dia dos Namorados daquele ano.

Para ela, fazer isso foi algo bem simples e banal. Para mim, foi o melhor presente de Dia dos Namorados da minha vida.

Assista e reflita

Enfim, como já foi dito, relacionamento amoroso é uma via de mão dupla. Casar é não precisar entender para atender. É ser empático e recíproco e querer se sacrificar em nome do outro. Isso pode significar chegar em casa cansado do trabalho e, mesmo assim, perguntar à esposa qual cômodo está faltando limpar. Ou saber que ela pode dirigir sozinha, mas que não precisa, se ele estiver desocupado. Casar é levar a toalha ao banheiro, mesmo quando a esposa a esqueceu no cabide pela quinquagésima vez. É esquecer a si mesmo quando o parceiro estiver frágil e precisar de apoio – e estar do lado para apoiar. E, entre outras coisas, é dialogar ao invés de degladiar, entender ao invés de culpar, perdoar-se mutuamente ao invés de provocar e se vingar.

Esbarrando: final diferente

Separados Pelo Casamento é uma comédia romântica só na superfície. No fundo, é uma obra que usa uma briga de casal para revelar o quanto falhamos como cônjuge. Pode não ser uma obra-prima, mas é um filme atemporal, que ainda conversa bem sobre a necessidade de entrega e compreensão, pois nosso maior inimigo pode não ser o outro, mas nossa própria personalidade.

Infelizmente, foi tarde demais para Gary e Brooke, mas pode não ser para a gente. Afinal, tenho certeza de que, fazendo uma revisão do filme, muitos de nós vão se identificar com certos comportamentos em tela – ou até situações inteiras. Assista e reflita.

Espero que entenda que, mesmo que seja uma coluna de cinema, este texto nunca foi sobre o filme.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

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