Sesc Mecejana “sextou” com os melhores do cinema japonês

A coluna de hoje faz um resumo rápido do que rolou na amostra de filmes japoneses da 10ª Semana da Cultura Japonesa. Boa leitura!

Sesc Mecejana “sextou” com os melhores do cinema japonês

Na semana passada, a Anir Roraima – Associação Nipobrasileira de Roraima – realizou a 10ª Semana da Cultura Japonesa. O evento ocorreu nos dias 29 e 30 de novembro e 1º de dezembro e contou com uma programação bem bacana e variada para celebrar a cultura da terra do Sol Nascente. Teve oficinas de origami e de Cosplay, festival de comidas japonesas, apresentação de dança e de taiko (tambor japonês), workshops e, claro, exibição de filmes japoneses.

E tudo começou com os filmes, em uma sessão dupla na sala de cinema do Sesc Mecejana, com dois mestres do cinema japonês: os diretores Hayao Miyazaki e Akira Kurosawa. Às 15:30h, foi exibido o vencedor do Oscar A Viagem de Chihiro (2001), de Miyazaki; e, às 19:00h, foi a vez de Sonhos (1990), de Kurosawa. Tive a honra de ser convidado pelo organizador Fábio Cavalcante para, após a sessão do segundo filme, um bate-papo cinematográfico com o cineasta roraimense Alex Pizano, fã declarado de Kurosawa.

Eu já tinha me encantado com A Viagem de Chihiro anteriormente e queria muito ter repetido a dose, agora na telona. Infelizmente, perdi a sessão de sexta-feira por causa de uma consulta médica. Contudo, nada me impediu de ver um Kurosawa em um cinema pela primeira vez, no início da noite. Uma baita experiência que recomendo a todos que tiverem uma oportunidade.

Nas linhas abaixo, falo um pouco sobre os filmes da mostra de filmes japoneses da 10ª Semana da Cultura Japonesa e do debate incrível que aconteceu em seguida, onde falamos sobre as duas obras e a influência do cinema japonês em nossas vidas.

Amadurecimento e autodescoberta

A Viagem de Chihiro (2001), de Hayao Miyazaki

A personagem-título de A Viagem de Chihiro é uma garota de 10 anos que, junto com seus pais, está se mudando para outra cidade. Porém, no meio do caminho, o pai decide pegar um atalho, todos atravessam um túnel e acabam parando em uma cidade estranha e desabitada. Apesar disso, os pais encontram uma mesa cheia de comida e não resistem à fome. Porém, durante a degustação, eles se transformam em porcos enormes. É quando Chihiro percebe que a família entrou em um mundo mágico onde os humanos não são bem vindos. Mesmo assim, ela precisa adentrar esse mundo ainda mais para salvar seus pais.

A partir daí, a fantasia toma conta. Durante sua jornada, ela encontra uma bruxa poderosa, um rapaz que se transforma em dragão, um senhor de vários braços que trabalha com carvão, figuras etéreas com máscara sem rosto, uma lama animada gigante… E isso em uma ambientação completamente onírica, desenhada com um nível de detalhes absurdo. Isso porque os traços, o design e as cores da animação são de uma excelência que só os animadores do Studio Ghibli têm. Essa criatividade visual, o roteiro imaginativo e o olhar sensível do Miyazaki transformam a busca de Chihiro em uma jornada de amadurecimento e autodescoberta inesquecíveis. Hollywood se rendeu e a animação ganhou o primeiro Oscar de Melhor Animação a uma longa-animado japonês.

Esse reconhecimento só se repetiu em 2024, com o Oscar de O Menino e a Garça. De quem? Hayao Miyazaki.

Raios de sol

Sonhos (1990), de Akira Kurosawa

O título de Sonhos, de Akira Kurosawa, não mente: é uma antologia de contos que “saíram” dos sonhos do próprio cineasta. São oito estórias curtas, com cada uma representando um sonho diferente. Ao longo de quase duas horas, vemos sobre 1) um garoto que irrita uma raposa; 2) um garoto que segue uma garota que só ele enxerga, mas se depara com bonecas que ganham vida; 3) um grupo de alpinistas enfrentando uma nevasca; 4) um homem que atravessa um túnel e encontra um soldado fantasma; 5) um estudante de arte que, ao entrar nos quadros que admira no museu, acaba encontrando o próprio pintor Van Gogh; 6) um grupo de pessoas acuado pela explosão de uma usina nuclear; 7) um homem que vaga por uma montanha obscura, encontrando um indivíduo que se diz um demônio; e 8) um jovem que encontra um vilarejo sossegado e conversa com um ancião.

Embora não haja uma linha narrativa aparente que conecte os contos entre si, cada “sonho” (ou pesadelo) tem um modo distinto de mostrar a relação do homem com a natureza, de modo intrínseco ou tangencial. Cada um tem um conjunto próprio de simbologias, em que, inclusive, cada espectador pode enriquecê-lo com seu próprio sentido. O que todos tem em comum é a grandiosidade com que o diretor japonês os filma, fazendo cada conto parecer um pequeno épico visual. Ou seja, com o mesmo empenho narrativo e a preocupação com enquadramentos que fizeram de filmes com Ran (1985) obras inesquecíveis. É o primeiro conto, intitulado “Raios de sol através da chuva”, que tem a cena que compõe o maravilhoso cartaz de Sonhos. E o surrealista “Os Corvos” tem a participação do cineasta Martin Scorcese como Van Gogh.

Foi o primeiro filme de Kurosawa que assisti na vida, quando passava na TV aberta, e fiquei muito feliz em tê-lo visto em tela grande.

Bate-papo

Alex Pizano e eu: bate-papo

 

Com o organizador da mostra, Fábio Cavalcante

Após a sessão, Alex Pizano e eu fomos chamados pelo organizador Fábio Cavalcante para nos sentarmos no palco e conversarmos com a plateia. Começando com o diretor de Palasito e Vento do Verão, que deu uma aula de história do cinema e de Kurosawa. Falou sobre um pouco da vida pregressa do diretor de Sonhos, as inspirações que o tornaram esse diretor consagrado e sua influência para outros grandes cineastas, como Sérgio Leone e George Lucas. Afinal, você não sabia que foi uma obra de Kurosawa – A Fortaleza Escondida (1958) – que inspirou George Lucas a fazer Star Wars? Ou que Os Sete Samurais (1954) é a versão original de Sete Homens e um Destino?

Em seguida, também dei minha palhinha. Falei da importância de Sonhos na minha introdução ao cinema de Kurosawa e, também, coloquei-o como um dos diretores que mais entenderam a função do cinema enquanto meio de contar uma história. Sem sair do assunto, emendamos sobre a beleza das animações de Hayao Miyazaki e citei outro conterrâneo talentoso, Isao Takahata, diretor de O Conto da Princesa Kaguya (2013) e O Túmulo dos Vagalumes (1988) – uma das minhas animações favoritas de todos os tempos.

Mas o que estou narrando aqui é só a casca. Bom mesmo foi estar lá na sala, depois de uma sessão maravilhosa, falando do que a gente ama – cinema – e ouvindo de quem entende do riscado, inclusive atrás das câmeras. A plateia gostou e até pediu para tirar foto junto.

No mais, toda gratidão aos envolvidos no evento, especialmente Alex, Fábio, a Anir-RR e as pessoas que compareceram. Que mais eventos assim aconteçam e que mais pessoas apareçam. Quem não apareceu perdeu a oportunidade de ver dois mestres do cinema japonês no cinema.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

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