“Top Gun: Ases Indomáveis” (1986) faz parte de uma categoria especial de cinema: a de filmes que são muito queridos pelo público, mesmo não sendo grandiosos. Na verdade, seu megasucesso (até hoje) pareceu um fruto de alinhamento de planetas. Todas as pessoas certas, nos lugares certos. O roteiro era pobre, mas tinha o estiloso Tony Scott na direção, a dupla Simpson/Bruckheimer na produção (que fazia qualquer filme parecer imperdível) e Tom Cruise na linha de frente. Além disso, a canção Take my Breath Away, composta pelo mestre Giorgio Moroder, criou uma liga filme/música de fazer inveja até em clássicos do cinema. Sim, como Over The Rainbow está para “O Mágico de Oz”.
Falando nisso, o ponto baixo daquela obra é, justamente, aquele que mais parece ser seu ponto alto: o casal principal. Tom Cruise e Kelly McGillis eram um casal bonito por eles serem bonitos. Contudo, se você olhar atentamente, eles tinham mais química no clipe de Take My Breath Away que no filme inteiro (convido você a fazer esse exercício de comparação). O que importa mesmo é que “Top Gun” é um produto artístico de seu tempo, mas que ecoa até hoje como “clássico dos anos 1980”. E foi essa aura de obra-prima que fez parecer boba a ideia de uma continuação, ainda mais depois de 36 anos. Assisti na estreia no cinema e garanto: “Top Gun: Maverick” não é apenas superior ao original, mas, desde já, uma das melhores continuações de todos os tempos.
Quase outra missão impossível
Na verdade, o problema nem era fazer algo melhor que “Top Gun” (o que não é difícil), mas superar o alinhamento de planetas que favoreceram tanto o longa de Tony Scott. Para isso, precisavam justificar uma nova história e alinhar com a atualidade. Aqui, fala-se do avanço tecnológico e de como ele afeta pessoas que não conseguem largar o passado. Como Pete Mitchell (Tom Cruise), o velho Maverick, que nunca foi promovido a nada para não deixar de ser piloto. Após fazer um teste desastroso em um caça supersônico e quase ser afastado, ele é designado por Hammer (Ed Harris, só passando para dar um “oi”) para voltar à Top Gun e instruir novos pilotos para uma missão perigosíssima – quase uma outra missão impossível.
Só que um dos alunos é Rooster (Miles Teller), filho de Goose, melhor amigo de Maverick que foi morto no filme anterior. O rapaz nunca perdoou o instrutor pela morte do pai. O pior, porém, é que o próprio Maverick nunca se perdoou e cada vez que ele olha para Rooster, mais ele se lembra de Goose. Assim, ele precisa lidar com esses sentimentos confluentes, treinar todo mundo bem (ele precisa reduzir um grupo de 12 pilotos para apenas 6) e, de quebra, manter-se relevante em uma aviação dominada por drones e caças do futuro. Com essa bagagem, o roteiro de Christopher McQuarrie (“Missão Impossível: Efeito Fallout”), Eric Singer (“Trapaça”) e Ehren Kruger (“O Chamado”) celebra o valor de um elemento cada vez mais desprezado por um mundo automatizado: a humanidade.
Tradução imagética
E não para por aí. O filme, dirigido com muita paixão por Joseph Kosinski (da ficção-científica “Oblivion”), também é uma celebração do cinema à moda antiga. Tem efeitos e computação gráfica? Claro que sim, mas discretos e, quando visíveis, muito bem encaixados no momentum. A maior parte, no entanto, é na raça, com os atores dentro de cabines de verdade (com Cruise PILOTANDO), a serviço do realismo. Tudo com cenas de arrancar o fôlego, feitas com um capricho técnico que, se a Academia estiver boa das ideias, renderá algumas indicações ao Oscar. Especialmente Melhor Som, que transporta a gente para aquele ambiente supersônico; e Melhor Fotografia, que une contemplação e uma força que evoca a própria personalidade provocadora de Maverick. Afinal, a tomada do rasante sobre o superior Hammer é a perfeita tradução imagética do protagonista.
É essa veia palpável que traz a adrenalina necessária para transformar “Top Gun: Maverick” em uma experiência cinematográfica de primeira. Principalmente para quem não teve a chance de ver o original nos cinemas. A vantagem da geração atual é que tudo aqui foi feito para ser mais. As cenas de ação estão mais grandiosas, tem atuações mais inspiradas, o jeito do filme perdeu a breguice e, enfim, a trama tem algo a dizer. Kosinski homenageia “Top Gun: Ases Indomáveis” em várias tomadas, dos letreiros iniciais (com a mesma fonte usada antes) a uma participação mais que especial de Val Kilmer. Inclusive, na cena desse reencontro, Tom Cruise mostra que também não brinca em serviço como ator dramático. Se você for um topgunner, pode levar um lenço.
Tom Cruise power
O único voo baixo foi, mais uma vez, o romance. O roteiro não faz muito pela personagem Penny, deixando-a na história basicamente porque tem que ter um romance. Alem disso, Tom Cruise e Jennifer Connelly também formam um par bonito só por serem bonitos e, agora, sem um Take my Breath Away para ajudar. Difícil. Mesmo assim, Lady Gaga faz um bom trabalho com a bela Hold my Hand, apesar de não repetir o impacto da banda Berlin. Felizmente, a cantora nem tenta fazer isso, dispensando imitações e referências para entregar uma música com vida própria.
Já o resto, que era só bom, dava para melhorar muito e a equipe aproveitou. Não tinha como contar com um golpe do Universo. Foram espertos e fizeram a própria “sorte”, contando com o Tom Cruise power. O novo filme pode não estar no patamar de sequências lendárias como “Aliens: O Resgate” e “O Exterminador do Futuro 2”, mas a superioridade ao primeiro é monstruosa. Com talento e um forte senso de tributo, “Top Gun: Maverick” virou um filmão de verdade, um dos maiores de 2022 e, sim, uma das melhores continuações do cinema. Veja em tela grande enquanto há tempo.
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Todo fim de seman aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.