Carne seca e farinha, ingredientes simples que se tornam uma combinação perfeita para os roraimenses. É com esse prato típico, a paçoca, que a empresa Tia Nega consegue contar e preservar a história de um povo. Quem não é de Roraima, pode até achar estranho, mas quando experimenta, não se arrepende.
A paçoca está no dia-a-dia dos roraimenses, e quando se fala nesse prato, automaticamente lembramos do estado de Roraima. A paçoca está presente no café da manhã e até mesmo na hora do lanche, além disso, pode até substituir refeições, como almoço e jantar.
“Paçoca é especial, não é? Para todos nós e para quem chega aqui. Eu tenho uma empresa de ecoturismo e todo mundo já vem com curiosidade nessa paçoca, porque a paçoca lá para fora é aquelas barra de amendoim e quando eles se deparam com uma paçoca preparada na manteiga regional, na farinha amarela. Eita, tu é doido, é bom demais”, destacou o dono na empresa de ecoturismo, Kenuy Sotter.
Amor
Mas afinal, como abastecer tanta gente, com essa grande quantidade de paçoca? Para a empresária Elane Mangabeira, conhecida como a Tia Nega, o segredo está no amor envolvido na hora da produção do produto. Elane é dona da maior produtora de paçoca de Roraima, já são tês décadas de empresa familiar, que ajuda a manter viva a cultura e a culinária de Roraima.
“É a continuidade do trabalho dos meus pais. Esse ano mesmo eu fiz cálculos, a gente faz trinta anos de Paçoca da Tia Nega. Olhar tudo que a gente passou é gratificante, todo o esforço, todo o trabalho e o legado que eles deixaram. Futuramente vou deixar para os meus filhos, é uma empresa como posso dizer que vem aí de gerações. Primeiro meu pai, depois para mim e vamos deixar para os meus filhos, para dar continuidade nesse empreendimento familiar”, relatou Elane.
Bolo de aniversário?
A paçoca da tia nega faz tanto sucesso, que em 2015, foi escolhida para produzir o melhor “bolo de aniversário” do arraial da capital, a paçoca do Boa Vista Junina, Maior Arraial da Amazônia. Na época, ela já foi considerada a maior paçoca do mundo, com 500 KG. A Elane ainda não estava à frente da empresa, mas estava lá, acompanhando tudo de pertinho e com a mão na massa, com a mãe, a dona Maria Mangabeira.
“Na época, em 2015, a empresa não estava tão estruturada como hoje, foi um desafio produzir 500 KG. A gente teve que adaptar um pouco mais. Como sempre foi um trabalho em família, na época que minha mãe estava viva, quem cortava carne, quem batia era meus irmãos. Eu sempre estive ali do lado dela. Antigamente não tinha loja, era em uma sala, a produção acontecia no fundo da garagem. A gente fez todo o preparo, corremos a atrás de tudo. No dia de servir na praça, eu lembro que eu e ela participamos da distribuição da paçoca. Até hoje eu guardo o avental que ela usou no dia”, disse emocionada a empreendedora.
Apoio do Sebrae Roraima
O empreendimento da paçoca em família cresceu com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Roraima e da Federação das indústrias do Estado de Roraima (Fier), e segue sendo fundamental para a expansão da Tia Nega. Os colaboradores da empresa recebem orientações sobre o negócio, que envolvem estratégias de vendas e a boa relação com a clientela.
“Durante esse período da fundação da paçoca da Tia Nega, a gente era mais aquela coisa artesanal, de fundo de casa, não tínhamos aprofundado tanto no empreendimento. Mas de um tempo para cá, nesses dois anos que assumi, o Sebrae tem me ajudado muito, tanto na parte de organização financeira, como na consultoria para precificação e atendimentos. Também tem a Federação das Indústrias, hoje em dia eu participo vitrine virtual com eles”, informou Elane.
O trabalho de referência e de excelência, garantiu a Elane, a participação na 12ª edição da LAC Flavors, a principal conferência empresarial realizada pelo Banco Internacional de Desenvolvimento (BID). O evento é voltado para o setor de alimentos e bebidas. A ideia do fórum que acontece no mês de junho, é oferecer oportunidades de negócios para empresas de vários países.
“Vai ser um evento internacional de empresários brasileiros e de vários países também. Eu recebi o convite para participar. Chegaram até mim e falaram, olha, eles se interessaram pela paçoca, por ser um produto conhecido aqui no estado. Essa feira é voltada para exportação de produtos amazônicos e isso me deixou surpresa. A gente teve um curso de preparação para estar lá, vai começar agora no dia quatro de junho e vou lá com uma paçoca, para degustação e para negociação com os compradores. Futuramente vamos exportar essa paçoca”, contou a dona do empreendimento.
Tia Nega também exporta da paçoca de Roraima
Em relação à exportação, é importante ressaltar que uma grande parte das vendas da paçoca da Tia Nega vão para outros estados. A distribuição permite que as pessoas que estão longe de casa, possam “matar” a saudade de comer o prato típico da região Norte. É o caso do designer gráfico Rayner Garcia, que mora há mais de 5 mil KM de Roraima, no entanto, sempre dá um jeito de conseguir comprar a paçoca.
“A paçoca está no nosso dia a dia aqui. Sempre que eu posso, dou um jeito de conseguir comprar. Quando um amigo fala quem vem aqui para o Rio Grande do Sul, eu peço para trazer um pouco de paçoca da Tia Nega. Me faz lembrar de casa, de Roraima”, disse Rayner.
Na loja física ou nas encomendas pelo WhatsApp, os pedidos de paçoca para enviar para outros estados e até outros países são intensos. Além disso, existe muita gente que também vem de fora para experimentar a paçoca da Tia Nega.
“A gente recebe muitos turistas, pessoas que vem de fora e diz ‘Eu não posso voltar para o meu estado sem a paçoca’. Pessoas querendo conhecer e provar. Sou grata a Deus por trabalhar com um produto assim, que é uma referência para o nosso estado. Se falar da culinária de Roraima, a primeira que vem na mente é a paçoca. Quando fala de paçoca ainda tem que ser a da Tia Nega”, ressaltou Elane.
Paçoca é patrimônio cultural de Boa Vista
Desde novembro de 2022 a paçoca se tornou patrimônio cultural e imaterial do município de Boa Vista. O autor do projeto é o vereador e jornalista Bruno Perez, que é mineiro, mas tem o coração em Roraima.
“Como um bom mineiro, quando cheguei aqui em Roraima, era amante do pão de queijo, da cachaça do meu estado. Quando me tornei vereador, quis valorizar os pratos daqui, a damurida e principalmente a paçoca roraimense. Por isso que fui atrás, estudei um pouquinho e apresentei um projeto de lei, virou lei e torna de fato os dois pratos especiais. É uma forma de valorizar a culinária, os cozinheiros, os chefes e os restaurantes. Quando você fala Boa Vista ou Roraima, você lembra da paçoca como sendo o carro-chefe”, disse Bruno Perez.
Aquecimento da economia
Conforme o economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Roraima (Fecomércio-RR), Fábio Martinez, a valorização do produto típico da terra resulta no aquecimento da economia roraimense.
“Nossa paçoca de carne salgada é diferente do Sul e do Sudeste. Ela acaba caracterizando nosso estado, nossa região e sendo um fator diferencial. Isso contribui tanto para o segmento de alimentação e principalmente para aqueles pequenos negócios. Impacta positivamente em atração de turismo, porque toda vez que você vai para uma região, você sempre tenta procurar qual é a comida típica, para degustar. Então acaba sendo um fator de atração de pessoas, atração de turistas que vem para consumir a paçoca”, informou Fábio Martinez.
No começo da história da Tia Nega, Elane não sabia e nem tinha noção da proporção que aquela pequena venda de paçoca, na garagem da casa do seu pai, Moacir e da sua mãe dona Maria, iria tornar. Para ela, o sentimento hoje é de orgulho.
“Assumi um legado, dei continuidade ao trabalho deles, ao esforço deles. Eu lembro de quando meu pai começou a fazer, ele falava assim, ‘Se eu conseguir vender cinco pacotes desses aqui por dia, para mim está ótimo’. Hoje, graças a Deus, a gente faz mil quilo por semana e ainda falta, o cliente chega aqui e acabou. Sinto orgulho pela empresa, eu vi meus pais começarem, eu vim de uma família de sete irmãos, meus pais se sempre tiveram dificuldades, sempre foram empresários autônomos. Levar essa marca para frente é gratificante. Ainda não consegui chegar onde eu pretendo, mas vamos lá”, finalizou a dona do empreendimento Tia Nega.
Incentivo
A analista da unidade de atendimento do Sebrae-RR, Leila Vaz de Melo, orienta os empreendedores que queiram seguir o exemplo da Tia Nega. O caminho é buscar apoio do Sebrae.
“O Sebrae Roraima desempenha um papel fundamental, apoiando o desenvolvimento sustentável dos pequenos negócios na economia roraimense, oferecendo capacitações, treinamentos, consultorias empresariais e produtos como o Sebrae Tec, que tem o objetivo de melhorar os processos gerenciais e a produtividade da sua empresa. Além disso, o Sebrae promove missões técnicas nacionais e internacionais, que conectam os empreendedores de Roraima a oportunidade de negócio ou parcerias que podem ser feita com outros empresários fora do nosso estado”, destacou.
Por Ian Vitor Freitas e Taígo Araújo