Delegado-geral atrapalhou investigação do caso Romano e levou ‘recado’ de Jalser a secretário

Documentos obtidos com exclusividade pelo Roraima em Tempo revelam detalhes do inquérito do sequestro de Romano dos Anjos

Delegado-geral atrapalhou investigação do caso Romano e levou ‘recado’ de Jalser a secretário
João Evangelista pediu afastamento de delegados da cúpula da Polícia Civil, mas Justiça negou – Foto: Reprodução/Facebook/Herbert Amorim

O delegado-geral da Polícia Civil de Roraima, Herbert Amorim Cardoso, atrapalhou a investigação da força-tarefa criada para apurar o sequestro e a tortura do jornalista Romano dos Anjos.

A informação consta em documento da Polícia Civil obtido com exclusividade pelo Roraima em Tempo.

O inquérito revela ainda que o delegado-geral adjunto, Eduardo Wayner Santos Brasileiro, também agiu com Herbert para interferir na apuração.

A Polícia Civil criou a força-tarefa no dia 13 de novembro de 2020, menos de um mês depois do crime. A esposa dele, Nattacha Vasconcelos, também foi amarrada, amordaçada e ameaçada de morte.

Interferência

Deputado é citado em depoimento de secretário da Segurança Pública – Foto: Divulgação/ALE-RR

O inquérito mostra que no dia 25 de novembro, o delegado Herbert Amorim enviou uma mensagem pelo WhatsApp para o secretário da Segurança Pública (Sesp), Edison Prola.

Na manhã seguinte, Prola recebeu Herbert e Wayner. Na ocasião, eles pediram ajuda ao secretário para interferir nas investigações. Os dois queriam tirar o delegado João Evangelista do comando da força-tarefa.

“Conforme a apuração, a cúpula da Polícia Civil [Herbert e Wayner] reuniu-se com o coronel Edison Prola para solicitar adesão política com a finalidade de modificar a equipe de investigação e, assim, atrapalhar o inquérito”, diz o documento.

O inquérito relata que, no encontro, os chefes da Polícia Civil levaram um “recado” do então presidente da Assembleia Legislativa, deputado Jalser Renier (SD).

Herbert afirmou que Jalser Renier havia dito que: “se a investigação continuar, vai morrer gente”. A informação foi confirmada em depoimento pelo próprio secretário Edison Prola.

Trecho cita ameaça que Jalser teria feito – Foto: Reprodução/Polícia Civil

Mas, as investigações também revelam que o “recado” não teria sido a primeira tentativa de interferência do parlamentar.

Ainda em novembro, antes de Herbet e Wayner encontrarem Prola, Jalser fez uma visita a Denarium no Palácio do Governo.

Com ele estavam os investigados coronel Moisés Granjeiro, coronel Natanael Felipe, e tenente-coronel Paulo Cézar. Todos cedidos para a Assembleia para atuar na segurança pessoal de Renier.

O motivo da visita do deputado seria para exigir do governador a interrupção dos trabalhos policiais. Ontem (21), durante a sessão, o atual presidente da Casa, Soldado Sampaio (PC do B), citou o encontro.

Sampaio disse ainda que, na visita, Jalser ameaçou de morte o governador.

Ainda na sessão, o deputado Jalser negou a acusação. Por outro lado, Denarium não quis comentar o assunto.

Delegado negou

Em março deste ano, Herbert Amorim concedeu entrevista à Rádio 93FM. À época, questionado se tinha atuado para interferir nas investigações, ele gaguejou e disse que era “estranho as pessoas alegarem isso”.

“Isso não tem cabimento, não tem nenhuma lógica para falar que o delegado-geral está evitando”, disse, ao acrescentar que ouviu do governador Antonio Denarium (PP) para não medir esforços na elucidação do crime.

Amorim garantiu que “não houve nenhum tipo de atropelo”. O delegado também argumentou que atribuir outras funções aos investigadores não atrapalhava o andamento do inquérito.

Mudança de estratégia

Sem obter êxito com o pedido feito a Edison Prola, o delegado Herbert Amorim resolveu fazer mudanças no quadro da força-tarefa. Dessa forma, ele editou a portaria que a criou.

Amorim alterou a formação da equipe e inseriu novos policiais. Além disso, atribuiu a coordenação dos trabalhos de investigação a outras duas delegadas.

“[…] e, mais, determinou que a investigação continuasse de forma cumulativa com os trabalhos ordinários da unidade de lotação de cada membro da equipe, inclusive deste signatário, conforme se observa na imagem parcial do documento”, cita Evangelista.

O delegado-geral também removeu alguns investigadores das respectivas unidades policiais, dificultando, assim, a produção de diligências.

Conforme o documento, Evangelista informou a Herbert que não havia necessidade de novos membros na apuração do crime. Argumentou também sobre prejuízo que a mudança causaria nas atividades dos agentes.

No dia 8 de janeiro de 2021, a força-tarefa enviou memorando ao delegado-geral, no qual solicitou a revogação da portaria que oficializou as mudanças.

Já no dia 28 do mesmo mês, o delegado João Evangelista informou a redução das diligências investigativas.

Só em março deste ano, depois de inúmeros alertas de Evangelista, a Polícia Civil revogou a portaria, após prejudicar o trabalho de apuração do caso.

Afastamento

Conforme a investigação, o comportamento de Herbert Amorim se enquadra no crime previsto na Lei nº 12.850/13, que cita a interferência para embaraçar uma investigação sobre organização criminosa.

Dessa forma, João Evangelista pediu o afastamento de Herbert Amorim, bem como do adjunto Eduardo Wayner, mas a juíza Graciete Sotto Mayor negou.

Citados

Em nota, o deputado Jalser Renier afirmou que “não tem conhecimento de qualquer informação sobre o caso do jornalista Romano dos Anjos, visto que a investigação ocorre em segredo de justiça por parte do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil”.

Disse ainda que que não foi comunicado ou intimado em nenhum momento desse processo investigatório e nem foi alvo de nenhuma busca e apreensão nesse inquérito”.

Por outro lado, a Polícia Civil informou que as acusações contra o delegado Herbert Amorim que constam no inquérito são “consideradas caluniosas”. Disse também que essa foi a primeira vez em 17 anos que a instituição criou uma força-tarefa para investigar um caso.

Sobre o ‘recado’ com ameaça de morte que o delegado teria levado ao secretário de Segurança, a Civil não se posicionou.

Já com relação às mudanças feitas no quadro de agentes da força-tarefa, a instituição justificou que foram feitas no período de férias e que duraram apenas 45 dias.

Por Redação

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