A Secretaria de Estado de Educação e Desporto (Seed) adquiriu 161 mil livros didáticos por meio de um processo de dispensa de licitação no valor de R$ 15 milhões. A compra ocorreu no mês de agosto desse ano. Os materiais didáticos são sobre História e Cultura Indígena Brasileira, bem como sobre Bullyng. O que chama a atenção é que os livros só poderiam ser usados no ano que vem. Pois o ano letivo 2022 já está no fim.
As informações sobre a compra estão no Sistema Eletrônico de Informações (SEI). Mas um ofício avulso e com data retroativa a 18 dias levanta suspeitas relacionadas à negociação com a Editora G10 Comércio Varejista de Livros LTDA, com sede em Euzébio, no Ceará.
Essa notificação anexada posteriormente informa que os livros teriam sido devolvidos à empresa cearense pelo fato de a Secretaria ter encontrado vícios ocultos. Acontece que, esse documento foi feito e assinado de forma manual pelo secretário de Educação Raimundo Nonato Carneiro de Mesquita. E atestado pelo representante da empresa Luiz de França da Silva Gomes, após a ida de investigadores à Seed no dia 15 de setembro.
Como a mercadoria não foi encontrada durante a visita, os servidores informaram que os materiais haviam sido devolvidos para a empresa. A suspeita é que esses livros nunca tenham sido entregues ao Governo de Roraima.
Misteriosamente, não há registro da entrada da mercadoria na Secretaria da Fazenda (Sefaz). O núcleo de Jornalismo investigativo do Roraima em Tempo teve acesso à nota fiscal, mas nela não constam informações básicas do transporte do material de Euzébio, no Ceará. Logicamente, que pelo fato de a mercadoria possivelmente ter chegado ao Estado em menos de 48h, ela teria vindo por meio de alguma das empresas aéreas.
O mais curioso é que a compra, que normalmente demoraria cerca de seis meses para ser concluída, foi iniciada e finalizada em apenas 24 dias. Se no dia 1º de agosto o Departamento de Atenção Básica solicitou a compra, três dias depois, a pasta já havia feito estudo técnico preliminar. Assim como também fez o mapa da cotação de preços e o termo de referência, onde constam as especificações da compra.
Já no dia 15 de agosto, a Secretaria fez o termo de reconhecimento e ratificação onde consta a dispensa de licitação. No dia 18 ocorreu a assinatura do contrato. E mesmo tendo 30 dias para fazer a requisição, a mesma foi feita no dia 23 de agosto. Que é também a mesma data em que a aconteceu a emissão da nota fiscal às 18h51.
Em 25 de agosto, apenas dois dias após a emissão da nota fiscal, às 8h52, conforme o sistema, a Seed atestou o recebimento da mercadoria. Curiosamente, no mesmo dia, às 17h08, foi feita a autorização de pagamento dos R$15 milhões à empresa via transferência bancária. A informação consta na ordem bancária disponível no Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças (Fiplan) do Governo do Estado. Todos os documentos têm a assinatura eletrônica do secretário titular da pasta Raimundo Nonato Carneiro de Mesquita.
O Roraima em Tempo não encontrou documento da Sefaz que comprove que a mercadoria entrou em Roraima. Incluindo o conhecimento de transporte aéreo. Do mesmo modo, a reportagem também não localizou a nota fiscal de devolução dos livros para a editora G10. Além disso, não existe no sistema o extrato da devolução dos R$15 milhões por parte da empresa.
Existe ainda a suspeita de quebra da ordem cronológica de pagamento pelo fato de a Secretaria ter liquidado a nota e mandado para o pagamento oito horas depois do suposto recebimento da carga. Deixando assim de pagar outras notas que já estariam agendadas.
Após solicitação de troca dos livros no dia 1º de setembro, a Empresa G10 Editora enviou um ofício à Secretaria Estadual de Educação de Roraima pedindo a prorrogação do prazo para a nova entrega entrega.
Conforme o documento, constatou-se que vários livros estavam mofados e molhados. Então, por esse motivo não seria possível por causa do período eleitoral onde as fábricas e distribuidoras estão com baixo estoque.
Outro fato que chama a atenção é que a empresa cita ainda a logística de entrega para Boa Vista, levando em consideração o tempo de estrada elevado e o uso de balsa. Segundo a G10 Comércio Varejista de Livros, isso impossibilita a entrega da carga em um curto espaço de tempo.
Mas segundo a cronologia de entrega que consta no próprio Sistema Eletrônico de Informação (SEI), os livros saíram do Ceará no dia 23 de setembro as 18h51 e estão lançados no sistema como recebidos no dia 25 às 8h52. Dessa forma, este dado contradiz a justificativa do próprio fornecedor que afirma que o transporte da carga ocorre via terrestre devido ao peso da carga.
A reportagem entrou em contato com a Editora G10 através do sócio-administrador Ivofran Rodrigues Faria. Ele não quis responder, mas forneceu o contato de Luiz de França da Silva Gomes que é representante da empresa e está em Roraima. Contudo, o funcionário não atendeu às ligações.
A Secretaria de Educação disse por meio de nota que, após a compra constatou ‘avaria de parte dos livros, o que gerou a devolução’ do material.
Disse ainda que depois disso, o MPE-RR recomendou a rescisão unilateral do contrato e o pedido de ressarcimento. Por fim, explicou que rescindiu o contrato e solicitou a devolução dos R$ 15 milhões.
O Roraima em Tempo também procurou o Ministério Público Federal (MPF), a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), bem como a Polícia Federal (PF).
O MPRR informou que a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público está apurando a legalidade da aquisição dos livros. No entanto, a fim de evitar prejuízo das investigações, foi decretado o sigilo do processo.
A reportagem aguarda a resposta dos demais órgãos de fiscalização.
Por Bruno Perez
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