STF avalia liberação de garimpo indígena em RR

Sociedade dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr) justificou que os povos têm direito a explorar as riquezas minerais das duas terras homologadas

STF avalia liberação de garimpo indígena em RR
Favela de garimpeiros foi denunciada em março deste ano – Foto: Divulgação/CIR

O Supremo Tribunal Federal (SFT) avalia um pedido para liberar o garimpo nas Terras Indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos, em Roraima.

A diferença é que a exploração seria feita pelos próprios indígenas. A Sociedade dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr) solicita desde junho, e o pedido está sendo avaliado pela ministra Cármen Lúcia.

A atividade garimpeira está proibida nas terras indígenas de todo o país. Contudo, algumas regiões indígenas são exploradas ilegalmente em Roraima há 30 anos.

Recentemente, um dos casos de maior repercussão foi a escalada de conflitos armados na Terra Yanomami. O caso também foi parar no STF e o ministro Luís Roberto Barroso mandou retirar os garimpeiros.

O que a Sodiurr pede?

A princípio, a entidade justificou à Corte que os povos originários têm direito constitucional de explorar as riquezas minerais das duas terras homologadas.

A Raposa Serra do Sol tem 1,7 milhão de hectares e mais de 20 mil indígenas. Já a São Marcos tem área de 654 mil hectares, com população estimada em 5,8 mil indígenas. Os dados são da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Dessa forma, a Sodiurr diz que existe uma omissão do Congresso Nacional e da União quanto a regulamentar normas que permitam o garimpo nas localidades.

“Passados 32 anos da promulgação da Constituição Federal, o Poder Legislativo Federal se mostrou inerte até a presente data, sendo assim, o autor busca para seus associados obter o direito constitucional de trabalhar livremente, para exercer a cata, faiscagem e garimpagem em suas terras”, diz o pedido.

Semana passada a ministra pediu informações do Congresso Nacional e da União em 15 dias.

‘Fim à perseguição’

STF analisa o caso
STF analisa pedido pelo por entidade – Foto: Divulgação/Agência Brasil

Ao Roraima em Tempo, a presidente da Sodiurr, Irisnaide Silva, disse hoje (26) que o pedido é, assim, para pôr “fim à perseguição” contra os indígenas que garimpam no estado. 

“Esse mandado é para que eles regularizem a atividade, que digam como trabalhar, mas não venham impedir, porque os indígenas vão continuar trabalhando. Não adianta tentar impedir”, destaca.

Questionada dos impactos ambientais que o garimpo causaria, ela disse que os indígenas conhecem as terras e, com as novas tecnologias, podem, então, reduzir os danos.

“Nós indígenas somos defensores do meio ambiente. Então, sabemos onde pode ser trabalhado e onde não pode”, reforça.

Ela acrescenta que após a homologação da Raposa Serra do Sol e a saída dos fazendeiros, os indígenas voltaram a trabalhar com o garimpo. Segundo ela, é uma prática cultural, sendo, para muitos, o único sustento.

“Nem todos têm condições de trabalho e emprego para sustentar a família. Temos a agricultura, mas é para subsistência. Justamente por falta de apoio e de políticas públicas para as comunidades. Falta muita coisa! Então, eles procuram um meio de sobreviver, de se sustentar e dar meio de vida melhor para os filhos”, defende.

A Sodiurr afirma representar 53 comunidades Macuxi, Taurepang e Wapichana.

Garimpo ilegal

Em março deste ano, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) denunciou a criação de uma favela de garimpeiros na Raposa Serra do Sol.

Conforme as lideranças, uma das causas foi a lei criada em janeiro pelo governador Antonio Denarium (sem partido), que provocou uma corrida de invasores. Mas, em fevereiro, o STF barrou o texto e ainda avalia o caso.

À época, o CIR denunciou a construção de barracões cobertos com lonas na Serra do Atola, na comunidade Raposa II, em Normandia.

Contudo, os barracos não são os únicos problemas da Raposa e da São Marcos. A contaminação de igarapés, rios e lagoas preocupa as comunidades.

Sem fundamentação

Procurado pela reportagem, o coordenador-geral do CIR, Edinho Batista, avalia que o pedido não se fundamenta na realidade dos povos originários. Ele afirma que a Sodiurr age de forma isolada.

“A Sodiurr nunca teve base. O que ela fala não tem consenso das comunidades. Eles utilizam o discurso da maioria da população de Roraima que quer o garimpo, e de algumas pessoas da organização. São ações motivadas pelos deputados, senadores e pelo próprio governo, por pressão do presidente [Jair Bolsonaro] para ganhar mídia. Não somos contra a Sodiurr, mas não compactuamos com esse olhar que afeta todo mundo”.

Conforme Edinho, os impactos ambientais causados pelo garimpo afetam a vida de toda a sociedade. Ele classifica a atividade como uma “tragédia”.

“Historicamente, as lideranças se declaram contra a atividade, não somente pela vida da população indígena, mas por todos. O garimpo é realmente uma tragédia, pois destrói floresta, rios, animais e pessoas. A única bacia hidrográfica é o Rio Branco. Se existe contaminação por mercúrio nas nascentes ele está sendo afetado. Existem outras maneiras de auxiliar a economia do Estado”, pontua.

Além disso, o coordenador enfatiza que o pedido reforça a invasão de garimpeiros. Disse que a expansão do garimpo e os ataques às terras indígenas ocorrem desde que Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019.

Em contrapartida, enfatiza que o Conselho Indígena deve utilizar novas estratégias para a retirada dos invasores da região.

“Os povos indígenas constantemente lutam contra essa situação, informando aos órgãos. Entretanto, tomaremos atitudes mais pesadas para que a Constituição seja aplicada. Quem está dentro terá que sair e os que estão fora não vão entrar nas terras indígenas. Se entrarem, alguém será responsabilizado”, declara.

Terra Yanomami

Canteiro de garimpo ilegal na região do Rio Uraricoera – Foto: Divulgação/Hutukara Associação Yanomami

A Terra Yanomami, por exemplo, sofre com a invasão de garimpeiros ilegais. De abril de 2020 a maio de 2021 foram ao menos 12 ofícios informando sobre a expansão do garimpo.

Em maio, houve uma escalada de violência contra os Yanomami. O primeiro conflito ocorreu no dia 10, quando sete embarcações com invasores armados dispararam tiros contra Palimiú.

No dia 16 de maio, um segundo ataque foi registrado e bombas foram lançadas. Da mesma forma, no dia 5 de junho, a comunidade Maikohipi, próxima a Palimiú, foi atacada com bombas de gás lacrimogêneo.

Três dias depois, os garimpeiros retornaram e atiraram contra Yanomami que voltavam de uma caçada. Os indígenas fugiram pelo rio e não houve pessoas feridas.

Já no dia 18 de junho, garimpeiros afundaram uma canoa onde estavam seis crianças de aproximadamente 11 anos, e outros dois jovens.

O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dário Kopenawa, narrou em ofício no dia 14 deste mês o registro de dois novos ataques nas comunidades Palimiú e Korekorema, nos dias 8 e 13.

No último fim de semana, a Hutukara Associação Yanomami desmentiu a Embaixada Brasileira que dizia estar atuando contra garimpeiros em terras indígenas.

“A atividade garimpeira está se expandindo ano a ano e ameaçando a integridade da Terra Indígena Yanomami […] de modo que a maioria dos núcleos garimpeiros ilegais permanecem ativos. A reiterada retórica anti-indígena do presidente Jair Bolsonaro revela suas intenções”, escreve Davi Kopenawa, presidente da Associação.

A declaração consta em uma carta encaminhada ao deputado Raúl Grijalva, presidente do Comitê de Recursos Naturais da Câmara de Representantes dos Estados Unidos.

Davi criticou a falta de assistência em saúde e a ausência de tropas federais para proteger os indígenas. Por fim, cobrou ações efetivas do Poder Público.

Por Bryan Araújo, Josué Ferreira, Samantha Rufino, Yara Walker

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