“Animais Fantásticos 3” dá novo vigor a uma série perdida e indecisa

A coluna de hoje traz a crítica de “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”, que estreou nesta quinta-feira. Boa leitura!

“Animais Fantásticos 3” dá novo vigor a uma série perdida e indecisa

Harry Potter sem Harry Potter. Difícil se lembrar da saga “Animais Fantásticos” e não se lembrar do programa virtual Choque de Cultura, que deu a alcunha acima ao spin-off da história do menino que sobreviveu. É um jeito engraçado de não esquecer a fonte das novas histórias da escritora J.K. Rowling, que contam tudo o que aconteceu antes dos sete livros de Harry Potter. A diferença é que, desta vez, ela escreve direto para o cinema, tornando-se a nova roteirista oficial desse mundo mágico.

Entretanto, devemos sempre lembrar: escrever livro não é escrever roteiro. Uma coisa é criar um mundo inteiro e transcrever a imaginação para o papel, com todas as descrições, divagações e paisagismos que esse mesmo mundo é capaz de fertilizar. Outra coisa é você montar um guia de acontecimentos, diálogos, localizações e recursos cinematográficos para dizer como a história deve ser vista na tela grande. Nesse ambiente, a ultrapassagem dos limites não é de quem escreve, mas de quem filma – ou seja, do diretor.

Estremecimento no hype

Um dos melhores exemplos recentes para essa diferença ser, digamos, enxergada é a saga “Animais Fantásticos”. Parece estranho, mas percebemos uma intenção de criar uma história satisfatória, sem resultar necessariamente em um filme satisfatório. Ou, pelo menos, que não alcança o que poderia se tornar. Ainda assim, “Animais Fantásticos e Onde Habitam” (2016) é bacana, interessante e bem amarradinho. Apresenta uma trama com personagens originais em um mundo conhecido e engata (quase) todos os arcos para serem desenvolvidos futuramente.

Daí “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” (2018) chega e esculhamba tudo. Cria arcos desnecessários, repuxa personagens já finalizados, joga no ventilador um monte de sobrenomes conhecidos (Lestrange, Flamel…) e “desenvolve” cada um deles de onde acabaram caindo. Ou seja, fan service dos piores. E que me desculpem os fãs de Johnny Depp, mas seu Grindelwald não tinha carisma nenhum para segurar mais três filmes. Some isso ao show de transfobia de J.K. Rowling nas redes sociais e o resultado é um baita estremecimento no hype com a saga. Afinal, como encarar a criatura que está por vir se já cancelamos a criadora?

Dumbledore com uma peça-chave

Apesar de tantos contratempos, a Warner tinha que tocar o barco, nem que isso custasse a presença de Johnny Depp após dois filmes. Assim, “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore” (2022) foi lançado ontem nos cinemas brasileiros, com recepção mista da crítica. E o Cinema em Tempo já escolheu seu lado.

Respostas?

A terceira aventura mostra o bruxo Alvo Dumbledore (Jude Law) convocando uma equipe para tentar impedir Gerardo Grindelwald (Mads Mikkelsen) de adquirir grandes poderes políticos e provocar uma guerra entre os dois mundos: o mágico e o dos trouxas. Por que os dois não se enfrentam logo? Por que Newt (Eddie Redmayne) e Jacob (Dan Fogler) devem fazer parte dessa equipe? E por que Maria Fernanda Cândido está nesse filme? Essas e outras perguntas são respondidas na sessão. Aleluia!

O lado bom das respostas é que Dumbledore, por exemplo, finalmente detalha o que aconteceu com sua irmã, Ariana – cuja morte é o pivô do ranço do irmão Abelforth (Richard Coyle). Por outro lado, essas lembranças narradas carecem da força emocional de um belo flashback visual, que já provou ser um recurso poderoso na saga Harry Potter (lembram da Penseira?). Deus sabe o quanto adoro sutilezas no cinema, mas essa roupa não serve aqui. Em um mundo tão mágico, abrir mão da magia do cinema foi uma decisão, no mínimo, bisonha.

Rivalidade e lamentação

Seja bem vindo, Mads Mikkelsen

De todo modo, o terceiro longa está melhor que os anteriores, graças a um roteiro mais redondo que, finalmente, tem um corpo mais definido. A causa dessa melhoria é tão óbvia que não dá para acreditar que não tiveram essa ideia antes: a escalação de Steve Kloves como co-roteirista (este, sim, um roteirista de cinema!). Para quem não conhece, ele foi o mesmo que (tcharaaaam!) adaptou quase todos os filmes de Harry Potter no cinema e, claro, conhece o universo cinematográfico bruxo melhor que a própria autora. Com certeza, ele evitaria o desastre que foi “Os Crimes de Grindelwald”.

Outra adição boa foi Mads Mikkelsen, que deu um rosto mais sério e sedutor ao vilão da série. Além disso, sua grande química com Jude Law (incrível como Dumbledore) é de lamentar que Grindelwald tenha escolhido o lado errado da Magia. O misto de rivalidade e lamentação mútua entre os dois, definidos pelos olhares no começo e no fim do filme, é um dos pontos altos de ambas as sagas. E o capricho técnico continua, bem como a criatividade dos novos animais (o Qilin é muito fofo). Até o fan service é melhor trabalhado aqui, quando um certo lugar é mostrado.

Mapa delineado

O que ainda incomoda é a indecisão do protagonismo. Eddie Redmayne e Dan Fogler não têm mais razão para continuar na linha de frente. É como se sempre tentassem justificar o título “Animais Fantásticos”, dando um jeito da trama ainda ser sobre criaturas mágicas e, com isso, manter a importância do personagem Newt Scamander. Já está claro que não é mais sobre isso e J.K. Rowling (com Steve Kloves, por favor) já pode avançar a próxima casa. A gente quer ver como vão chegar ao esperado duelo final entre Dumbledore e Grindelwald.

Eddie Redmayne ainda é o protagonista. Pois é…

Para isso, é preciso definir quais peças são importantes. Dá para ver que Ezra Miller nem sabe o que fazer com Creedence, personagem que protagonizou um cliffhanger à toa no longa anterior, pois ele foi praticamente descartado aqui. Maria Fernanda Cândido e o próprio Mikkelsen tiveram que se virar com o pouco que tinham em mãos para entregar, pelo menos, uma boa presença em cena. A única peça bem desenhada é Dumbledore. Ainda assim, o mapa rumo a Hogwarts está mais delineado que antes e a direção genérica e ok de David Yates não chega a atrapalhar.

Dá para assistir sem “descancelar” a autora?

Dá sim. Como perceberam, “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore” não é esse horror que alguns estão pintando. Contudo, realmente falta muito feijão e “sustança” para exalar o encanto da saga do menino que sobreviveu. É um prelúdio que ainda não encontrou sua identidade, com a equipe tentando fazer o que pode com um material-base perdido e indeciso. Os acertos já começaram, mas o acerto maior aconteceria se J.K. Rowling esquecesse o roteiro e ficasse só na criação. Senão, vai permanecer nesse universo com beleza de um Expecto Patronum, mas sem seu poder. Ou seja, um Harry Potter sem Harry Potter, no pior sentido.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda sexta-feira aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema. 

 

 

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