Associação Hutukara faz novos relatos de violência e abusos associadas ao garimpo na Terra Yanomami

Conforme relato, ação de garimpeiros destruiu uma família inteira

Associação Hutukara faz novos relatos de violência e abusos associadas ao garimpo na Terra Yanomami
Garimpo ilegal na TI Yanomami -Foto: Divulgação/Hutukara Associação Yanomami

A Hutukara Associação Yanomami (HAY) divulgou na sexta-feira (6), uma nota pública sobre o desaparecimento da comunidade Sanomã de Aracaçá. Com base em entrevistas realizadas na região, a HAY relata violência e abusos associados ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.

“Entrevistamos ao longo desta semana parentes que vivem próximos à região de Aracaçá e uma idosa da comunidade que está na cidade de Boa Vista para receber atendimento médico. As informações obtidas até o momento confirmam o cenário desolador vivido pela comunidade a partir das relações impostas pelo garimpo, com reiterados depoimentos de violência sexual em série”, diz a nota.

A Hutukara, cruzou as informações das entrevistas com dados oficiais do distrito de saúde (censos populacionais de 2017 a 2022, bem como registros de óbitos). Dessa forma, foi possível identificar a cronologia dos relatos.

Mortes

Conforme o documento, o histórico de tragédias na comunidade teve início em 2017, com a morte de um homem conhecido como C. Sanumá.

“Na lista de óbitos do Polo de Waikás (polo que presta assistência a Aracaçá), há um registro de morte por agressão por disparo de arma de fogo em 2017, estando a vítima na faixa de 40 a 59 anos – muito provavelmente o registro do óbito de C. Sanumá”, diz um trecho do documento.

Sanumá foi morto durante uma briga, incentivada pela distribuição de cachaça por garimpeiros aos indígenas, relatou Hutukara. O fato ocorreu acima da comunidade de Aracaçá.

A vítima tinha duas esposas. Depois da morte do homem, segundo relata o documento, elas ficaram em uma situação de extrema vulnerabilidade, sendo prostituídas nos acampamentos de garimpeiros. A segunda esposa, chamada de W., morreu logo depois.

De acordo com o relato, há diferentes versões sobre a morte da mulher. Contudo, foi possível confirmar, no registro de óbitos, o falecimento de uma pessoa da mesma faixa etária em 2018. A causa da morte foi envenenamento autoprovocado.

Estupro

Após a morte da mulher, uma das filhas de Sanumá, de 16 anos, com a primeira esposa, foi levada para se prostituir em um acampamento garimpeiro localizado próximo a Aracaçá.

As entrevistas apontam que a adolescente era estuprada e, por vezes, obrigada a manter relações sexuais com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

Ainda nesse período, K. tinha perdido um bebê, que morreu por traumatismo intracraniano. A morte de uma criança da mesma faixa etária está registrada na lista de óbitos oficiais em 2019.

De acordo com os relatos, por conta dos abusos, a adolescente sofreu de uma deficiência física permanente depois de um acidente. Ela acabou engravidando de um dos garimpeiros conhecido como “Pastor” e o bebê foi levado para a cidade.

Logo depois, a adolescente se suicidou. A morte dela também confere com o registro de óbitos do ano de 2021.

“A sequência de tragédias que marcaram a família de C. demonstram que na aldeia de Aracaçá, há casos generalizados de abusos e violência. A vulnerabilidade das pessoas da comunidade é tamanha que é bastante provável que episódios assim se repitam cotidianamente”, pontuou a nota.

Diante do exposto, a Hutukara pediu para que seja realizada uma investigação mais aprofundada do histórico de violências vividas pelos indígenas em Aracaçá por consequência do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.

Tradição

No documento, a associação destacou ainda que na tradição cultural Yanomami, o corpo e os pertences dos mortos são todos incinerados.

Desse modo, ocorrido o assassinato, é provável que os restos mortais da vítima sejam impossíveis de localizar a não ser a partir das cinzas. Por isso, em casos de denúncias é fundamental a coleta de relatos e a busca por testemunhas da comunidade.

“Em todo o território, o garimpo invade nossas terras, destrói nosso modo de vida, nossas roças, e gera fome e violência. Nossas mulheres e crianças estão sendo violentadas recorrentemente em diversas regiões assoladas pelo garimpo. Nossas famílias estão adoecendo e morrendo de doenças facilmente tratáveis. Nossos jovens estão morrendo da violência das armas de fogo trazida pelos garimpeiros”, afirmou a Hutukara.

Entenda

O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Júnior Hekurari, relatou em vídeo sobre um ataque realizado por garimpeiros na comunidade Aracaçá no dia 25 de abril.

Na ocasião, os invasores teriam estuprado e assassinado uma adolescente de 12 anos. Além disso, há uma criança de 4 anos desaparecida. Conforme a denúncia, a criança e a mãe foram alvos de uma tentativa de sequestro. A mulher conseguiu se salvar, mas a criança caiu do barco no Rio Uraricoera.

Após as denúncias, a comunidade onde ocorreu o ataque foi encontrada totalmente queimada e desabitada.

A Polícia Federal constatou a situação após ir até o local com o apoio do Ministério Público Federal (MPF), Funai, Exército, Força Aérea e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para apurar a denúncia.

O caso gerou uma repercussão nacional, onde a internet se mobilizou e subiu a hashtag #CadêOsYanomami.

Contudo, no último dia 5, o líder indígena Júnior Hekurari confirmou ao Roraima em Tempo que os indígenas da comunidade foram encontrados longe de Aracaçá, perto de outro acampamento garimpeiro.

Nessa sexta-feira (6), o delegado da Polícia Federal (PF) Daniel Pinheiro Leite Pessoa Ramos, responsável pela investigação da denúncia sobre o estupro e morte da adolescente, afirmou não haver indícios de violência recente na comunidade Aracaçá.

Investigação

As investigações da denúncia devem seguir o protocolo e continuar por 30 dias, segundo Ramos. Ele afirma que não houve relato de moradores sobre violência, como estupros ou mortes de indígenas.

Sobre as buscas pelo corpo de uma criança de colo, que os Yanomami afirmam ter caído no rio, a PF disse não ter chegado a fazer buscas “por conta de onde veio o surgimento” da informação.

Dois dias após as denúncias, a PF já havia afirmado que não havia indícios sobre o ataque. No entanto, durante uma coletiva que ocorreu nesta sexta (6), o delegado Ramos afirmou que em sobrevoo no dia 27, já tinham avistado uma maloca queimada.

Fonte: Da Redação

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