Aviões ilegais entram diariamente no Território Yanomami mesmo após um ano de ações para conter crise humanitária de indígenas, aponta levantamento

Informação foi divulgada pelo diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, Humberto Freire de Barros

Aviões ilegais entram diariamente no Território Yanomami mesmo após um ano de ações para conter crise humanitária de indígenas, aponta levantamento
Foto: Divulgação/Polícia Federal

Principal apoio logístico para entrada de armas e suprimentos e para retirada de ouro e minérios extraídos ilegalmente da Terra Indígena Yanomami (TIY), os voos ilegais continuam ocorrendo diariamente dentro do território, mesmo um ano após o início de ações de emergência para conter a crise humanitária vivida pelas populações indígenas locais.

A informação é do diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal (PF), Humberto Freire de Barros, com base em monitoramento e levantamentos de inteligência feitos pela corporação.

“Diariamente, há registro de voos ilegais. Nós temos filmagens, e há pessoas que postam, inclusive, aquele fato que aconteceu, em novembro do ano passado, de garimpeiros que filmaram uma comunidade indígena sobrevoando terra Yanomami. Não há dúvida de que há esses voos ilegais acontecendo”, revelou o diretor da PF, em entrevista à Agência Brasil.

O caso mencionado por Freire de Barros foi divulgada por garimpeiros em rede social. As imagens mostram eles sobrevoando uma comunidade de indígenas isolados Moxihatëtë.

“Nós temos acompanhamentos de inteligência, levantamentos de inteligência. E as equipes [da PF] que atuam lá, não raramente, cruzam com voos em alturas diferentes. Eu, pessoalmente, em um dos sobrevoos que fiz na Terra Indígena Yanomami, avistei uma aeronave clandestina. Eu reitero: é preciso ter um controle efetivo do espaço aéreo sobre o território”, acrescentou Barros.

Controle do espaço aéreo

A Força Aérea Brasileira (FAB) intensificou o controle do espaço aéreo sobre o território no início do ano passado. O objetivo é impedir a entrada de aeronaves não autorizadas dentro do território. Desde então, não divulgaram nenhum balanço mais amplo das operações, como o número de aeronaves interceptadas em voos ilegais, por exemplo.

Há ainda cerca de 40 pistas de pouso que servem ao garimpo e que não foram desativadas. A Agência Brasil procurou a FAB e o Ministério da Defesa para comentarem o monitoramento da PF que aponta a persistência na entrada de aviões ilegais no território. No entanto, até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.

Em nota, a FAB apenas informou ter ativado uma nova operação de apoio logístico na distribuição de cestas de alimentos. O período da ação conta a partir de 17 de janeiro a 31 de março de 2024. A previsão é que as equipes distribuam cerca de 15 mil cestas nesta semana.

“Embora boa parte dos garimpeiros tenha saído depois dessas ações do governo no primeiro semestre do ano passado, uma parte deles, em uma escala menor, tem voltado desde o segundo semestre, com o enfraquecimento das ações do controle do espaço aéreo”, disse à Agência Brasil o geógrafo e analista do Instituto Socioambiental (ISA) Estevão Senra. “Existe dificuldade de entender o que eles [FAB] fizeram, e por que o que eles fizeram não deu certo. Eles não detalham qual é a estratégia, nem nada, e alegam que isso é tecnicamente impossível, fazer o controle do espaço aéreo de uma área tão grande”, afirmou Senra.

Terra Indígena Yanomami

Com quase 10 milhões de hectares, maior do que Portugal, a Terra Indígena Yanomami é a mais extensa do país. O local tem população estimada em cerca de 27 mil pessoas. As informações estão de acordo com dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No auge da atuação garimpeira recente dentro do território, especialmente entre 2018 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, havia ainda uma população extra estimada de 20 mil pessoas, entre garimpeiros e pessoas ligadas às atividades ilegais. Por ser região de fronteira com a Venezuela, cabe às Forças Armadas a defesa do território. A faixa se estende por até 100 quilômetros. Há dois pelotões de fronteira das Forças Armadas dentro do Território Yanomami, um no polo base de Surucucu, e outro no de Auaris.

Em julho do ano passado, um relatório lançado por três associações indígenas – Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) e Urihi Associação Yanomami – denunciava a volta do garimpeiros ao território, apesar dos alertas feitos por um sistema de satélites da Polícia Federal ter indicado redução de 85% nessa atividade.

“O que o nosso monitoramento indica, combinando relatos de área com interpretação de imagens de satélite, é que, apesar de haver uma redução significativa da atividade garimpeira na TIY neste primeiro semestre, há ainda a persistência de alguns núcleos de exploração que resistem à ação das forças de segurança, além do retorno de alguns grupos de garimpeiros que lograram esconder os seus equipamentos durante as operações”, diz trecho do relatório.

Redução do garimpo

Humberto Freire reconhece que há uma persistência da atividade garimpeira na área em torno de 15% do que se tinha no fim de 2022. Contudo, ele cita os avanços das operações realizadas. “Uma coisa que precisa ficar clara é que a Operação Libertação nunca parou e não vai parar.”

O diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal lembrou que realizaram 13 grandes operações que resultaram em quase R$ 600 milhões em apreensões. “Nessas operações, houve ordens de bloqueio que chegam a mais de R$ 1 bilhão, R$ 1,5 bilhão. Isso foi feito, e efetivamente nós avançamos”, afirmou.

Conforme Freire de Barros, um dos focos da PF agora é atingir ao máximo o capital que sustenta o garimpo. O que inclui não apenas a destruição de equipamentos, mas investigações que identifiquem, processem e punam financiadores do garimpo ilegal.  

Em balanço da semana passada, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou ter realizado 205 vistorias em pistas de pouso na terra indígena e entorno. Com isso, 31 pistas foram embargadas e 209 monitoradas. A força-tarefa envolveu também a PF, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Força Nacional de Segurança Pública e outros órgãos de governo.

Apreensão e destruição de bens

Entre apreensão e destruição de bens, os fiscais interditaram 34 aeronaves, 362 acampamentos, 310 motores e 87 geradores de energia. Além disso, apreenderam 32 balsas, 48 mil litros de combustível, 172 equipamentos de comunicação e mais de 150 estruturas logísticas e portos de apoio. Houve ainda apreensão de 37 toneladas de cassiterita, o principal minério extraído da região, 6,3 quilos de mercúrio e pequenas porções de ouro.

Há dez dias, o governo federal anunciou a construção de uma estrutura permanente na Terra Indígena Yanomami, envolvendo diversos órgãos. Há previsão de construção de três novas bases logísticas na região.

Saúde indígena

Quanto à saúde indígena, a atuação federal no território evitou uma tragédia sem precedentes, disse Júnior Hekurari Yanoami, líder indígena no polo de Surucucu . “Muitas crianças foram salvas pela força aérea de saúde do governo, voluntários vieram a Surucucu, Auaris, Missão Catrminani, para salvar o povo Yanomami”, reconheceu o líder indígena.

Em entrevista à Agência Brasil, Júnior Hekurari afirmou que a retomaram a assistência em boa parte do território. No entanto, ressaltou que ainda há dezenas de localidades que não estão assistidas, muitas delas pela falta de segurança no acesso, por causa do garimpo.

“Quando chegou a emergência Yanomami, tinha mais de 300 comunidades não assistidas pela saúde indígena. Eu pensei que meu povo ia morrer muito. Alimentação e cestas básicas foram distribuídas pela Funai e pelo Exército durante seis meses, mas ainda há cerca de 50 comunidades onde a saúde não conseguiu chegar, por causa do garimpo.”

De acordo com a liderança indígena, o caso mais preocupante é o polo base Caianaú, que está fechado. “As crianças e os idosos, principalmente, ainda estão pagando um preço alto.”

Investimento de R$ 220 milhões

Em nota, o Ministério da Saúde informa que ter investiu mais de R$ 220 milhões para reestruturar o acesso à saúde dos indígenas da região, um valor 122% mais alto que o do ano anterior.

“Em 2023, houve uma ampliação do número de profissionais em atuação no território (+40%, passando de 690 profissionais para 960 entre 2022 e 2023).  Também foram reabertos sete polos-base e unidades básicas de saúde indígena, que estavam fechados por ações criminosas, totalizando 68 estabelecimentos de saúde com atendimento em terra Yanomami. Nestas localidades, onde é possível prestar assistência e ajuda humanitária, 307 crianças diagnosticadas com desnutrição grave ou moderada foram recuperadas. Além disso, o governo federal, através do Programa Mais Médicos, permitiu um salto de 9 para 28 no número de médicos para o atendimento aos yanomamis em 2023. Três vezes mais médicos em atuação”, diz a pasta.

Em relação à morte de indígenas, o ano de 2023 ainda registrou 308 óbitos, um número menor, mas não muito distante das 343 vítimas registradas em 2022.

Em transmissão nas redes sociais na última semana, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, admitiu que a crise humanitária dos yanomami não acabará tão cedo, apesar dos esforços do governo federal.

Fonte: Agência Brasil

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