O Ministério Público Federal (MPF-RR) demandou nesta quarta-feira (16) uma Ação Civil Pública (ACP) para obrigar a União e o Governo de Roraima a promover a exumação e traslado dos corpos de indígenas Yanomami enterrados em Boa Vista, capital de Roraima, durante a pandemia do coronavírus.
O MPF tomou a medida após a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) se negar a cumprir recomendação expedida no ano passado. A Sesai alegou risco epidemiológico e indisponibilidade de verbas para a ação.
Cultura
Os Yanomami possuem rituais fúnebres próprios realizados por suas comunidades, de acordo com a cultura de cada subgrupo. Assim, o MPF defende que a manutenção dos restos mortais em cemitério viola o direito fundamental de luto dos povos indígenas.
O órgão pede que a exumação e o translado ocorram no prazo de 60 dias, seguindo todos os protocolos de biossegurança necessários. Eles exigem ainda que o DSEY Yanomami contrate uma empresa especializada para o serviço.
Ao Estado de Roraima, que proibiu os rituais fúnebres indígenas, pede a concessão de tutela provisória para que não dificulte os procedimentos de exumação de quaisquer cadáveres de Yanomami sepultado com hipótese diagnóstica ou infecção confirmada de covid-19.
Impasse
Os indígenas em questão foram removidos para Boa Vista por apresentarem complicações graves de covid-19. Entretanto, apesar do atendimento hospitalar, faleceram em decorrência da doença.
Na época, ainda havia incerteza científica sobre a segurança sanitária da remoção de restos mortais. Por isso, a Defesa Civil de Roraima elaborou norma proibindo a população indígena de realizar seus rituais fúnebres. Assim, previu a exumação somente após o fim da pandemia.
O MPF, por precaução, acompanhou as negociações, buscando subsídios por meio da oitiva de comunidades indígenas, autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais e diversos especialistas, para propor, no momento adequado, o retorno dos corpos sepultados.
Baseado em pareceres favoráveis do Instituto Médico Legal (IML) e da Vigilância Sanitária, em dezembro de 2021, o MPF emitiu uma recomendação aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas do Leste de Roraima e Yanomami.
A orientação era para que realizassem a exumação e transferência dos restos mortais de indígenas enterrado sem autorização das comunidades. Além de que custeassem o procedimento e prestassem orientações às comunidades sobre as medidas de biossegurança necessárias.
Recomendação negada
No entanto, a Sesai, que coordena e supervisiona a saúde indígena negou acatamento à recomendação. A Secretaria alegou risco epidemiológico para as comunidades indígenas e que não tinham a responsabilidade de custear o processo de exumação e devolução dos corpos.
Na ação ajuizada, o MPF argumenta ainda que o ritual fúnebre Yanomami, no contexto atual, é compatível com as orientações sanitárias. Conforme a ACP, a devolução dos corpos já vem ocorrendo no DSEI Yanomami e em outros estados brasileiros sem que tenha havido qualquer notícia de contaminação pela prática do ritual.
O MPF pede que haja antecipação de tutela no caso, uma vez que o tempo decorrido dos sepultamentos acentua o estágio de decomposição dos cadáveres, comprometendo a realização dos rituais fúnebres e prolongando o sofrimento dos familiares, da comunidade e, segundo a ótica tradicional dos yanomami, do próprio morto, impactando indelevelmente a paz social das coletividades indígenas.
Ação semelhante
Em 2020, os indígenas da comunidade Wai Wai ajuizaram um pedido para que integrantes da etnia fossem exumados do cemitério de Boa Vista e levados para o local de origem. O processo que tramita na 1ª Vara Federal de Roraima, já possui decisão que determina que o procedimento seja feito pela União.
Diante da sentença favorável, no último dia 10, o MPF entrou com um pedido para exigir judicialmente o cumprimento da sentença. O pedido aguarda análise da Justiça.
Mortes
Até novembro de 2020, Roraima registrava 176 mortes por Covid-19 entre os povos indígenas.
O índice de mortes entre crianças indígenas também aumentou no ano retrasado. Os dados são do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Conforme o documento, Roraima se manteve como o segundo estado com a maior mortalidade infantil entre indígenas. Ocorreram 162 mortes durante o ano.
Ao todo, o Cimi indica que houve 776 óbitos de crianças de 0 a 5 anos no Brasil em 2020. De acordo com o estudo, as mortes demonstram omissão do poder público. O maior registro dos casos ocorreu no Amazonas, com 250 casos.
Fonte: Da Redação