Quando Barbie finalmente foi lançado, na semana passada, o que mais se viu nos cinemas era gente vestida de rosa, com todos no clima da estreia mais esperada do ano. Não só isso: no cinema em que eu fui, tinha uma caixa de boneca gigante para quem quisesse entrar nela e fazer uma foto de recordação. Há muito tempo não se via tamanha empolgação com um lançamento, como escrevi na matéria da semana passada aqui.
Por outro lado, existe uma galera que está pedindo boicote ao filme. Não são pessoas que, simplesmente, não querem ver Barbie no cinema – o que seria normal. São pessoas que, além de não gostarem, estão pedindo para outras pessoas não verem a comédia e evitarem participar desse fenômeno. Os motivos são os mais esdrúxulos possíveis. Segundo os apontamentos estudados (por assim dizer), Barbie, de Greta Gerwig, é inapropriado para crianças, anti-homem, deturpador da família e (segura essa!)… diabólico. Até apologia ao aborto encontraram.
Não estou inventando nada. Basta entrar nas redes sociais para ver o que chove de postagens, vídeos de reação e análises de um povo que só tem criatividade para inventar inimigos. E a Barbie é a bola da vez. Continue a leitura – e segure o riso – para entender o que está acontecendo.
Barbie cristã
Logo no dia da estreia de Barbie, a tik-toker evangélica Vitória Margarida postou um vídeo dando nota zero ao filme porque ele “não tem nada a ver com os valores cristãos” e que a maioria das pessoas estava decepcionada. Em outro vídeo, disse que a obra está deturpando a família por, supostamente, falar mal de casamento e do fato da mulher engravidar (não me pergunte de onde ela tirou isso). Portanto, se você é daquelas pessoas que procuram coisas bíblicas nos filmes, só lamento: Barbie não é para você. Agora, como ela descobriu que a maioria de uma sala lotada ficou decepcionada, só Deus explica.
Mas a moça até que pegou leve. Quem chamou o filme de “diabólico” foi a influencer Priscilla Mazzo, conhecida como Barbie de Maringá (ou “Barbie Cristã”). Em um vídeo postado no canal Cristão Também Pensa, no YouTube, ela explica que o filme é contra a mulher virtuosa, que, segundo a influencer, é a mulher que faz o jantar ao marido e massageia seus pés (que seria o certo). E acusa a obra de valorizar a mulher que quer ser independente e ter a própria carreira (que seria o errado). Ou seja, se você procura uma obra que exalte e estimule a eterna submissão feminina ao homem, sinto muito: Barbie não é para você.
Barbie perigosa
Na verdade, nem precisa ser cristão para se incomodar, porque até pessoas “descrentes” reclamaram. É que teve uma mulher que parece não ter acreditado na classificação indicativa do filme (que é 12 anos, estampado para qualquer um ver) e levou a filha pequena para assistir também, levando um susto com algumas cenas que, de fato, são inapropriadas para… menores de 12 anos. Com isso, Manu Velez gravou um vídeo no Tik Tok, reclamando: “O filme não é pra criança, acreditem, é pra maior de doze anos mesmo”. Se você entendeu o senso lógico dessa pessoa, parabéns.
Essa vergonha, porém, não foi maior que a de dois marmanjos revoltados com o teor feminista de Barbie, em um vídeo do canal JurassiCast. Segundo essa dupla de desinformados, vendeu-se um filme infantil (onde?) e se entregou um filme feminista e anti-homem. O que torna o vídeo involuntariamente engraçado é a revolta dos dois como se o mundo fosse acabar por causa disso, com um deles chamado o filme de “perigoso” (sim, um filme da Barbie) e o outro até suspirando de tanta raiva e olhando para o nada. Só faltou passar mal e dizer que esqueceu o remédio em casa.
Barbie comunista
Se isso já é o cúmulo do papelão, imagine quando o reclamante é uma autoridade. Em uma entrevista ao canal americano Fox News, o senador dos EUA Ted Cruz declarou guerra contra a Barbie. Na entrevista, o político afirma que o filme é uma propaganda comunista chinesa (!) e faz lavagem cerebral nas garotas que o assistem. Detalhe: ele mesmo admite que não viu o filme. Sua conclusão sobre a China é fruto da implicância com o mapa do Mundo Real do filme, que, na cabeça dele (e de uma turba de outros fanáticos), favorece a expansão da China. Ele nem precisou ver mais nada para esquecer os problemas reais do país e dar à boneca uma nova “profissão”: Comunista.
Foi uma piada tão pronta que seu adversário político, o senador Roland Gutierrez, não aguentou e provocou Cruz com uma campanha nas redes sociais, mirando nos fãs da Barbie.
A cereja no bolo é o boicote do site cristão Movieguide, que acusa o longa de apologia LGBTQIAP+. Motivo? A presença de uma atriz transsexual. E, sim, isso faz parte da valorização da mulher em todos os sentidos, mas os religiosos radicais não toleraram. Afinal, não é só preciso nascer mulher: ela tem que ser – nas palavras da Barbie Cristã – virtuosa. Ela deve celebrar o patriarcado e não ficar de conversa com a China. É a ressurreição das Cruzadas da Idade Média. Nos séculos XIII e XIV, elas tinham nomes específicos, como Cruzada dos Nobres. Como chamaríamos a atual? “Cruzada Contra a Barbielandia”?
Barbie abortista
De todos os canais e redes sociais com essas teorias bobagentas, o Twitter deve ser o campeão numérico. Encontrei vários comentários, uns piores que outros, mas não falarei sobre eles. Ao invés disso, separei prints de algumas mensagens que eu vi para que você, leitor(a), tire suas próprias conclusões.
Aparentemente, nenhuma dessas criaturas entendeu a referência a 2001: Uma Odisseia no Espaço na abertura. E o resultado desse baixo nível cultural é assim:
Se você não gostou de Barbie, não tem problema. Gosto é particular e ninguém é obrigado a nada. Entretanto, baseado em tudo o que foi citado, esse boicote ao filme de Greta Gerwig não tem sentido algum. No marketing da Warner, Barbie sempre se mostrou uma obra não-infantil (você conhece alguma criança que viu 2001?) e jamais indicou ter qualquer elemento religioso. Comunismo? Só se a cor da ideologia mudou de vermelho para rosa. Portanto, não tem para quê irritar-se com o filme. Ao invés de pedir boicote, assista a Oppenheimer ou o novo Missão: Impossível, ótimas opções em cartaz que podem compensar sua frustração. Bem melhor que desfilar a própria ignorância e passar vergonha.
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.