Com a perda de duas lendas do cinema, 2022 não poderia começar pior

A coluna de hoje fala sobre a perda de duas lendas do cinema, em dois dias seguidos: o cineasta Peter Bogdanovich e o ator Sidney Poitier. Boa leitura!

Com a perda de duas lendas do cinema, 2022 não poderia começar pior

No último dia 6 de janeiro, perdemos Peter Bogdanovich. O cineasta que começou como crítico de cinema, assistindo trocentos filmes por ano e aprendendo sobre a Sétima Arte com os melhores (as lendas Buster Keaton, John Ford e Orson Welles). Fez obras-primas tanto como escritor de cinema (como o livro “Este é Orson Welles”) quanto como diretor de cinema (o documentário “Dirigido por John Ford” e o filme “A Última Sessão de Cinema”). Um talento múltiplo que se foi e deixou um grande legado.

No dia seguinte, 7 de janeiro, foi a vez de Sidney Poitier, um dos maiores e mais carismáticos atores de todos os tempos. Primeiro negro a ganhar o Oscar de Melhor Ator (por “Uma Voz nas Sombras”), ele abriu as portas para muitos artistas afro-americanos. Tornou-se símbolo fílmico de luta contra a discriminação racial, compondo personagens que se tornaram exemplo para outros atores negros que ainda não tinham alcançado o status de astro. Um pioneiro da representatividade em Hollywood.

Ou seja, perdemos duas lendas do cinema em dois dias consecutivos. Isso é raro. Mesmo assim, não faz muito tempo que algo semelhante aconteceu. Em 2016, Carrie Fisher, a eterna Princesa Leia de “Star Wars” (1977), morreu em 27 de dezembro. No dia seguinte, morre sua mãe Debbie Reynolds, uma das protagonistas do clássico “Cantando na Chuva” (1957). Elas se foram em um fim de ano, enquanto Poitier e Bogdanovich partiram em um início de ano. E é essa comparação entre opostos que assusta. Enquanto a perda de mãe e filha parecia uma pá de cal que fechou 2016, as mortes recentes estão “inaugurando” 2022. Parece um mau presságio, como se fosse só o começo.

Os Pioneiros

Superstições à parte, nada alivia a tristeza e o significado do que aconteceu. Peter Bogdanovich fez parte da década de 1970, a furiosa Era dos Diretores, período em que os cineastas tomaram as rédeas. “A Última Sessão de Cinema” foi lançada em 1971, entre “Sem Destino” (1969), de Dennis Hopper, e “O Poderoso Chefão” (1972), de Coppola. Todos já estavam na casa dos 30 anos, mas com energia suficiente para mudar os rumos do cinema e se tornarem lendas tambem. E foi o que aconteceu. Bogdanovich ajudou Hollywood a virar uma página – ainda que com menos veemência que os colegas. Mais ainda, segurou uma rajada seguida com as pérolas “Essa Pequena é uma Parada” (1972) e “Lua de Papel” (1973), que tornou a jovem Tatum O’Neal a mais jovem vencedora do Oscar na história.

“Lua de Papel”: Oscar para Tatum

Já a década de 1960 pertenceu a astros como Sidney Poitier. Quer dizer, não exatamente como ele. Tínhamos Marlon Brando, Paul Newman, Elizabeth Taylor, James Dean, Marilyn Monroe e vários outros atores de uma constelação de lendas… brancas! Mesmo que tivéssemos exemplos anteriores de grandes artistas negros (como Hattie McDaniels), Poitier foi o primeiro grande ator negro do cinema. A Era de Ouro ainda estava a pleno vapor quando o ator surgiu e inundou as telas com seu carisma, talento e, também, elegância. Estreou o Oscar de Melhor Ator a um intérprete negro em 1964 e transformou 1967 no ano dele, com “Ao Mestre, Com Carinho”, “Adivinhe Quem Vem Para o Jantar” e, meu favorito, “No Calor da Noite”. Justamente, seus três maiores sucessos. Enfim, um pioneiro.

Aos mestres, com carinho

No Oscar 2002, ganhou o prêmio honorário da Academia, na mesma cerimônia que premiou Denzel Washington, por “Dia de Treinamento”, e Halle Berry, por “A Última Ceia”. Poitier assistiu de camarote a premiação da primeira mulher negra como Melhor Atriz, testemunhando parte de seu legado para o cinema. Porem, o maior de todos foi ter mudado a abordagem dos afro-americanos no cinema, antes relegados aos piores estereótipos raciais, e a luta contra a discriminação racial através da atuação. Em sua carreira, esteve livre de polêmicas pesadas.

“Adivinhe Quem Vem Para o Jantar?”: luta contra o racismo

Por outro lado, Bogdanovich não teve a mesma sorte. Ele se envolveu com a ex-playmate Dorothy Stratten (que era casada) nas filmagens de “Muito Riso e Muita Alegria” e a atriz pediu o divórcio de Paul Snider. Inconformado, o marido a assassinou e cometeu suicídio em seguida, em 14 de agosto de 1980. Além da perda trágica da mulher por quem se apaixonou, o lançamento do filme teve que ser adiado para o ano seguinte e foi um fracasso. Ficou três anos afastado do cinema e, quando voltou, o mundo não era mais o mesmo. Ainda assim, fez o lindo “Marcas do Destino” (1985), com Cher, que ganhou o Oscar de Melhor Maquiagem.

Alinhamento de planetas

Houve um momento em que os caminhos de Peter Bogdanovich e Sidney Poitier se cruzaram, com o filme televisivo “Ao Mestre, Com Carinho 2”, protagonizado por um e dirigido pelo outro. Fora isso, outras duas coisas em comum: ambos deixaram sua marca no cinema, cada um a seu modo; e as lendas deixaram este plano com menos de 24 horas de diferença e, quase juntos, deixaram esse início de 2022 muito melancólico. Foi como um alinhamento de planetas às avessas, em que tudo confluiu para essas notícias tristes. E na primeira semana. Deve ser o pior começo de ano para a memória do cinema.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda sexta-feira aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

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