No dia 23 de novembro de 2001, fui ao cinema assistir a estreia de uma das obras mais aguardadas daquele ano: “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. O filme já estava em cartaz nos EUA desde o dia 16, mas conseguimos esperar uma semana para a chegada no Brasil. Sala estava lotada, principalmente de crianças. Ninguém falou nada quando apareceu o logo da Warner sob a música-tema (ninguém sabia ainda como seria o som que John Williams criou para a obra). Quando apareceu a primeira tomada do filme, mostrando o endereço da família Dursley, foi uma gritaria ensurdecedora. Eram os fãs tendo a certeza de que a realização de um sonho acabara de começar. Já fazem 20 anos.
Seria o primeiro de muitos outros momentos de euforia, como a vitória da casa Grifinória no quadribol, a aparição de Sirius Black no Ministério da Magia (“Não mexa com meu afilhado!”), a luta final entre Harry Potter e seu algoz Lord Voldemort. E também de raiva (com a professora Dolores Umbridge) e de comoção (com a morte de personagens queridos). Assim, a saga do bruxo mais famoso dos cinemas nos trouxe emoções demais para uma aventura que começou com a literatura infanto-juvenil. No fim, ganhou cinéfilos de todas as idades, deu um pontapé na carreira de seu elenco mirim e gerou mais de um bilhão de dólares para os cofres da Warner.
Para acompanhar as obras ao longo dos anos, dividi a saga em três partes: Era Columbus, com os dois longas dirigidos por Chris Columbus; Era de Transição, com os cineastas Alfonso Cuarón e Mike Newell; e Era Yates, com os quatro trabalhos de David Yates.
“Eu juro solenemente não fazer nada de bom”.
ERA COLUMBUS
Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001)
Aqui começou a febre. Ainda que não alcance a grandiosidade de seu próprio fenômeno (talvez por ter mais cara de produto que de um filme de verdade), a estreia do bruxo no cinema foi bem promissora. Aqui conhecemos Hogwarts, as quatro casas (Grifinória, Sonserina, Corvinal e Lufa-Lufa), os alunos, professores, encantamentos, itens mágicos e, principalmente, a fama de Harry Potter de ter sido o bebê (e único) sobrevivente do ataque de “Você-Sabe-Quem” – alcunha do vilão. É a obra mais infantil da coleção, algo que está bem expresso, por exemplo, nos efeitos visuais não-realistas, daqueles com cara de computação gráfica mesmo (como o Trasgo Montanhês, que está do jeito que a criançada gosta). O elenco infantil se sente em casa, mas o que mais impressiona é a caracterização dos adultos, como o Robbie Coltrane, como o adorável Hagrid, e o Alan Rickman, como o soturno professor Snape.
Harry Potter e a Câmara Secreta (2002)
Continuação tão direta e homogênea de “HP e a Pedra Filosofal” que nem parecem obras diferentes. Só tem um aspecto que as distingue: a segunda é um pouco mais sombria. Ironicamente, a parte da fonte dessa natureza é o próprio protagonista, já que descobrimos que Harry tem muito em comum com Você-Sabe-Quem – incluindo a habilidade de falar com cobras. Dispensando apresentações, o enredo engata a segunda e mostra o perigo de Hogwarts fechar as portas, por causa de uma presença maligna. Falando nisso, aqui é revelado o nome de batismo de Lord Voldemort e que ele já foi aluno de Hogwarts. Mais movimentado que seu antecessor, “A Câmara Secreta” cumpre seu papel de boa continuação. Mesmo sendo um dos menores da saga, traz a melhor mensagem, sobre algo mais importante que qualquer magia: o poder da escolha.
ERA DE TRANSIÇÃO
Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004)
O melhor filme de toda a saga, feito pelo melhor cineasta: Alfonso Cuarón. A trama sobre a fuga do bruxo Sirius Black, condenado por ajudar Voldemort no assassinato dos pais de Harry, é impecável do início ao fim. Tudo está melhor: narrativa, atmosfera, efeitos, atuações. Um upgrade que combina muito bem com a guinada no enredo. Como vimos acima, é revelado que o grande vilão não matou os Potter sozinho. Agora, Harry (já adolescente) enfrenta os tios pela primeira vez; um novo professor se torna um grande aliado do garoto, que aprende a magia mais fabulosa de todas (“Expectum Patronum!!!”); Hermione e o item Vira-Tempo se tornam peças-chave na história; e temos uma nova e amedrontadora ameaça, os Dementadores. Esse também teve a primeira aparição do ator Michael Gambon como Alvo Dumbledore, já que Richard Harris morreu de câncer antes das filmagens.
Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005)
Finalmente ele aparece! Lord Voldemort, o famoso Você-Sabe-Quem, o responsável pela marca na testa de Harry Potter, renasce para tentar dominar o mundo dos bruxos e enfrentar o Escolhido cara-a-cara. Claro, não sem antes uma série de eventos que culminará nessa aparição. Neste caso, impulsionados pelo Torneio Tribruxo, organizado por Dumbledore, cuja escolha de participantes é feita pelo objeto mágico que batiza a obra. O enredo amplia horizontes e mostra outras escolas de magia além de Hogwarts, as magias proibidas (incluindo aquela que Voldemort usou para matar Harry), a Penseira (instrumento de Dumbledore para guardar lembranças), os Comensais da Morte, o pirado professor Olho-Tonto Moody e, também, o servo mais fiel a Lord Voldemort. É a adaptação mais atropelada da série (o roteirista Steve Kloves picotou o livro), mas é um dos mais belos visualmente.
ERA YATES
Harry Potter e a Ordem da Fênix (2007)
O único roteiro escrito por Michael Goldenberg é, provavelmente, a adaptação mais enxuta da série. O lado ruim é a pouca relevância dada à conversa final de Harry e Dumbledore, fundamental para entendermos a Profecia. Mesmo assim, ainda bem! Isso porque o quinto livro é o mais cansativo de todos, mas é a base de um filme dinâmico, sem firulas e que, de certa forma, ameniza o clima pesadíssimo da obra original. Ainda mais que, agora, Lord Voldemort está vivo e recrutando todos os Comensais da Morte para seu domínio. Só que o maior obstáculo do trio principal é o próprio Ministério da Magia, que se recusa a acreditar no retorno do bruxo maligno e, para vigiar Dumbledore de perto, enviou uma “professora” de confiança para Hogwarts: a insuportável Dolores Umbridge. Também conhecemos outra figura odiosa – a cruel Belatriz Lestrange – e sentimos a perda mais triste da série até ali.
Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2009)
O “abacaxi” da Era Yates e a adaptação mais decepcionante da franquia. Mesmo com as tesouradas severas no texto dos livros, eu nunca tinha reclamado disso… até a chegada do sexto filme. Se a medida funcionava antes, aqui houve um exagero de cortes que dissipa qualquer dúvida sobre a necessidade de ler os livros, mesmo com a existência dos filmes. Sim, o estilo quase documental continua e o requinte de produção, também. Porem, todo o mistério acerca da vida de Lord Voldemort é drasticamente reduzido. E, no clímax, por que tornaram a invasão a Hogwarts bem menos emocionante? Vai entender! O lado bom foi o foco em Draco Malfoy, cuja ambivalência se revela um elemento-chave no avanço da história. Ah, é nessa parte que descobrimos como o vilão se tirou imortal e vemos o Snape finalmente se tornar professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, cargo que sempre almejou.
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (2010)
A Warner dividiu o último livro em dois filmes para dar uma adaptação mais satisfatória as fãs – e, claro, duplicar a renda do estúdio. Resultado: é o filme mais fiel da saga. Nem todas as cenas estão idênticas aos da obra original, mas estão todas lá na tela, bem colocadas. Inclusive, é a única obra que se passa fora de Hogwarts, já que o trio precisa caçar e destruir as Horcruxes (elementos que mantêm a imortalidade de Voldemort) e uma delas está longe da escola. Aliás, todo o peso deste capítulo está nos ombros de Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint, cujas jornadas internas estão envoltas pela espiral emocional mais intensa experimentada por eles, com os três atores dando um show. Assim, a busca pelos objetos do título, que transformam qualquer bruxo no Senhor da Morte, é um grande aquecimento para a batalha decisiva que marca a obra seguinte.
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (2011)
Em um dos melhores filmes do início da década passada, rolam adrenalina, medo, euforia, lágrimas. Há de tudo um pouco na despedida da saga, que traz o esperado acerto de contas final entre Harry Potter e Lord Voldemort, depois de tantas idas e vindas, ganhos e perdas (que continuam acontecendo também neste longa). Nesta parte, também acontece o melhor (e mais comovente) fechamento de arco de personagem de toda a série (“Você tem os olhos de sua mãe”). Acompanhamos a evolução de todos, com as construções e desconstruções e, principalmente, crescemos junto com o Harry, a Hermione, o Rony e várias outras (ex-) crianças. Por isso, David Yates mostra lentamente a luta decisiva do Bem contra o Mal, sem pressa alguma de deixar os fãs darem adeus e, aos poucos, soltarem as mãos dos personagens que os fascinaram por uma década de cinema.
“Malfeito, feito!”
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda sexta-feira aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.