O Globo de Ouro 2021, que acontecerá neste domingo (28/02), foi alvo de uma grande polêmica na reta final. Segundo uma reportagem do Los Angeles Times, cerca de 30 membros do Hollywood Foreign Press Association – HFPA, a instituição que comanda a premiação – foram convidados a visitar o set de filmagens da série “Emily em Paris” e ganharam hospedagem grátis em hotéis cinco estrelas, além de outras regalias. Tudo isso ainda em 2019. Quando foi lançada em outubro de 2020, a série foi acusada de ser superficial e trazer os estereótipos mais datados sobre os franceses. Além disso, passou longe de todas as listas de melhores do ano, considerada apenas um programa bobinho no catálogo da Netflix. Até que saiu o anúncio dos indicados ao Globo de Ouro e adivinha quem estava lá em Melhor Série de Comédia ou Musical? “Emily em Paris”.
Então, a série só foi indicada por causa dos mimos que o estúdio recebeu? Bem, aparentemente, nada prova que a indicação em si foi por causa disso, já que gosto é algo pessoal e, sim, é possível que a associação tenha mesmo gostado de “Emily em Paris”, indo na contramão dos críticos. Mas convenhamos: que é estranho, é. Mas a estranheza não fica só nisso, já que temos uma leva de indicações que desafia nosso bom gosto. “Ratched” indicada a Melhor Série de Drama, enquanto “Better Call Saul” ficou de fora? “Festa de Formatura” como Melhor Filme de Comédia ou Musical – e James Corden como Melhor Ator na modalidade? Daniel Kaluuya como única indicação para “Judas e o Messias Negro”? “I May Destroy You”, minissérie porrada da HBO, completamente ausente? E o ótimo “Destacamento Blood” também?
Injustiças não são novidades em premiações, mas há temporadas em que os premiadores estão de parabéns (no pior dos sentidos). A safra 2020/2021 já não estava nos servindo bem (por conta da pandemia de Covid-19 e os adiamentos decorrentes dela) e o HFPA piora ainda mais, escolhendo muito mal seus candidatos. Na verdade, há mais de uma década o Globo de Ouro não satisfaz qualquer cinéfilo ou seriemaníaco. Se antigamente ele era uma prévia confiável do Oscar, hoje não consegue sustentar nem a si mesmo. Depois do escândalo das regalias e a compra de vaga nas indicações, a pouca relevância que ainda tinha foi enterrada de vez.
Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 1982, a atriz Pia Zadora foi a Melhor Artista Revelação pelo trash (!) “Butterfly”. Também, fica fácil sendo casada com um bilionário que levou alguns membros da HFPA para uma sessão privada do filme em Las Vegas e outros, para Beverly Hills. Em 1990, o produtor Freedie Fields, de “Tempo de Glória”, pagou para vários jurados almoçarem com o ator Denzel Washington e tirarem fotos com ele. Ele ganhou o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante naquele ano e a Academia acabou repetindo.
Falando nela, nenhum absurdo do Globo de Ouro se compara ao que fez Harvey Weinstein no Oscar 1999: o produtor da Miramax contratou publicitários vinculados à Academia para divulgar “Shakespeare Apaixonado” e repetiu mais agressivamente a estratégia de Fields, só que com a atriz Gwineth Paltrow. Ganharam Oscar ela e o filme. Mesmo com a roubalheira descarada, a Academia teve seu prestigio questionado, mas não abalado. Isso porque o Oscar continua acertando na maioria das indicações (embora muitas vezes erre na entrega da estatueta) e é o prêmio-norte de vários artistas de cinema, um objetivo de carreira.
Já o Globo de Ouro era um tipo de etapa preliminar para a “verdadeira” premiação, que seria o Oscar. As coisas começaram a mudar para o HFPA quando as discordâncias de premiados ficaram mais evidentes. O Globo de Ouro 2005, por exemplo, deu o prêmio máximo para “O Aviador” e os de atores coadjuvantes para Natalie Portman e Clive Owen (ambos de “Closer: Perto Demais”). A Academia preferiu “Menina de Ouro” e os coadjuvantes Morgan Freeman (“Menina de Ouro”) e Cate Blanchet (“O Aviador”).
Na mesma temporada aconteceu pior em Melhor Canção Original, em que o Globo de Ouro premiou Old Habits Die Hard (de “Alfie”), uma música que nem foi indicada ao Oscar, cujo prêmio, por sua vez, foi para Al Outro Lado del Rio (“Diários de Motocicleta”) – que não estava no Globo de Ouro. Se isso foi esquisito, o que houve em 2018 foi bizarro. O terror “Corra!” foi indicado a Melhor Filme… de Comédia ou Musical. E o vencedor foi o inferior “Lady Bird” (vai saber se o acharam melhor ou mais engraçado…). Não podia piorar? No ano seguinte, sabe quem levou o prêmio de Melhor Filme de Comédia ou Musical? “Green Book: O Guia”, que é um drama. E o de Melhor Filme de Drama? Foi para “Bohemian Rhapsody”, um musical.
Seu feito sério mais recente foi puxar o bonde de “1917”, tornando-se a primeira grande premiação a laurear o drama de guerra de Sam Mendes como melhor do ano, seguido por dois sindicatos (de produtores e de diretores) e o BAFTA. A Academia não caiu nessa e deu o Oscar ao melhor de fato, o sul-coreano “Parasita”, mostrando que está se renovando e, por isso, melhorando. Pena que não possamos dizer o mesmo do Globo de Ouro, uma premiação que vem perdendo a importância de tal modo que, atualmente, mal lembramos que um dia foi termômetro do Oscar. Papel este que está sendo exercido pelos sindicatos, principalmente SAG (de atores), DGA (de diretores) e PGA (de produtores, o maior termômetro na categoria Melhor Filme).
Vamos perder o Globo de Ouro 2021 por causa disso? Eu não. Apesar da perda de credibilidade, é divertido ver premiações em geral, com todas risadas e tapinhas nas costas. No HFPA, ainda tem um adicional: a bebedeira, já que todos ficam nas mesas e tomando drinks para saborear o andar da premiação. E, para aguentar esta edição de domingo, só mesmo muita bebida.