Não tem jeito: o melhor do cinema 2024 pertence ao deserto

A coluna de hoje tem “Duna: Parte 2”, “Furiosa” e o poder do deserto nos melhores filmes do ano. Boa leitura!

Não tem jeito: o melhor do cinema 2024 pertence ao deserto

Ver Furiosa no cinema é um alívio e uma reparação. Afinal, desperdicei a chance de fazer o mesmo com Mad Max: Estrada da Fúria (2015) por puro preconceito. Isso porque eu achava que uma continuação de uma saga antiga era pura falta de criatividade em Hollywood. Queimei a língua quando vi a obra-prima de George Miller em casa e constatei que o que aconteceu era o exato contrário.

Mas ver Furiosa no cinema também foi um alívio por outra coisa: é muito bom saber que o cinema adulto ainda pode ser divertido e deslumbrante. Claro que os jovens podem se envolver com o caos alucinado da saga vingativa da personagem de Anya Taylor-Joy, mas creio que eles não vão (embora devessem) captar tudo o que a obra tem a oferecer.

“Furiosa”: maquinaria insana

E, quando falo sobre cinema adulto, não me restrinjo à Furiosa. No mês de março, Duna: Parte 2 também mostrou como habilidade narrativa e excelência técnica caminham juntas para resultar em um espetáculo em vários sentidos – e o quanto eles ativam os NOSSOS sentidos.

Coincidentemente, ambos os filmes são ambientados no deserto. Um em outro planeta; outro, em um futuro distópico. Os dois falam sobre poder e demonstram o poder do cinema. Em 2024, o ambiente árido se tornou perfeito para contar as melhores histórias do ano.

Ópera desértica

Duna: Parte 2 é uma continuação superior ao original. Após a apresentação da releitura da obra de Frank Herbert, em 2021, Denis Villeneuve se permitiu acelerar mais e, claro, caprichar nas cenas de ação – que estão grandiosas. A mesma equipe técnica avançou de nível (que já era alto), compreendendo a dimensão do que estavam criando ali, sob a batuta de um maestro da ópera desértica. Não é possível que o cineasta seja ignorado de novo no Oscar, pela sequência de um filme que foi tão multi-indicado e premiado. Afinal, não dá para deixar a direção ainda mais espetacular de Villeneuve passar em branco desta vez.

“Duna: Parte 2”: superior ao original

Paralelamente, Furiosa também vem de uma obra com vários Oscar no bolso. Assim como Duna (Parte Um), Mad Max: Estrada da Fúria (2015) fez a limpa nas categorias técnicas no seu ano. A diferença é que George Miller foi reconhecido pela Academia.

Só que a prequel não é melhor que sua matriz. A nossa sorte é que essa inferioridade é pouca, pois Furiosa mantém a pegada enérgica e caótica de George Miller, um senhorzinho com total visão e controle do que está fazendo. Não dá para descansar com Anya Taylor-Joy em busca da vingança, com tanta ação e intensidade tomando conta da tela. A criatividade vai tão longe que tem até uma biga feita de motocicletas.

Garras no deserto

Denis Villeneuve é um dos grandes cineastas da atualidade, tendo feito cinema com C maiúsculo nos últimos anos. Em 2015 mesmo, ano de Estrada da Fúria, fez o excelente Sicario: Terra de Ninguém. George Miller foi descansar e Villeneuve mandou A Chegada (2016), uma das maiores ficções científicas da década passada. E emenda com Blade Runner 2049 (2017). Um combo que mostrou um diretor pronto para assumir o controle do desértico planeta Arrakis. Uma responsa que, felizmente, o canadense segurou muito bem. O primeiro Duna ganhou seis Oscar e o segundo é o atual campeão da bilheteria mundial – além de ser um filmaço. Uma trajetória e tanto.

Ainda assim, não se compara a George Miller, mesmo porque é uma balança injusta. Isso porque Miller deixou sua marca já com a trilogia Mad Max (1979, 1981 e 1985) e caçou territórios tão diversos (e muito bons, principalmente) que dificulta as associações. Afinal, quem imaginaria que, após um futuro apocalíptico e insano, ele faria o engraçado As Bruxas de Eastwick (1987), o comovente O Óleo de Lorenzo (1992) e o fofinho Babe: O Porquinho Atrapalhado (1994)? E o Oscar que levou foi pela animação – também fofinha – Happy Feet: O Pinguim (2006). Até que ele crava as garras no deserto para, em 2015, fazer sua obra-prima.

E repetir a dose em 2024, com Furiosa.

Os melhores

Há várias décadas, o deserto é um terreno fértil para histórias épicas no cinema. Até porque o maior épico de todos os tempos, Lawrence da Arábia (1962), é ambientado na aridez. Inclusive, outros vencedores do Oscar de Melhor Filme também se encaixam nesse perfil, como Patton: Rebelde ou Herói (1970) e O Paciente Inglês (1996). Porem, há outros que a Academia não premiou, mas são sensacionais, como O Homem que Queria ser Rei (1975) e Perdido em Marte (2015, que ano, não é?).

“Lawrence da Arábia”: maior épico da história

São enredos que são amplificados pelo gigantismo desértico, que, por sua vez, alimenta o poder dos dramas humanos e sua correlação com a natureza. Assim como nos dois melhores filmes de 2024: Duna: Parte 2 (com Paul Atreides e os vermes gigantes) e Furiosa (com a adaptação da maquinaria insana com o relevo arenoso).

Nem importa se eles serão lembrados pela Academia no ano que vem. A qualidade de ambos é tão grande e absurda que dificilmente algum outro lançamento vai rivalizar com eles. Dos mais aguardados, teremos Coringa: Delírio a Dois, Divertida Mente 2, Deadpool 3, Gladiador 2… E estou aguardando muito o brasileiro O Auto da Compadecida 2.

Irônico e saboroso

Por isso, por mais que reapareçam o Palhaço do Crime (agora bem acompanhado), o Deadpool (bem acompanhado) e as emoções coloridas na mente de uma garota, não adianta: 2024 ainda deve pertencer ao deserto. Duna: Parte 2 e Furiosa são daqueles filmes cujos enredos mereciam ser contados pelos instrumentos da Sétima Arte. E feitos por gente que entende tanto do ofício quanto da monumentalidade da missão e do compromisso com seu público.

Denis Villeneuve e George Miller não fizeram apenas filmes, mas demonstrações do que o cinema tem de melhor e no que ele extrai de melhor do espectador. Sensações, emoções, a vontade de visitar a sala escura mais e mais vezes, torcendo para que experiências similares se repitam com outros filmes. É irônico e saboroso perceber que os cenários mais inóspitos sempre foram (e sempre serão) matéria-prima para obras grandiosas.

2024 não foi diferente.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.

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