Os cinemas de Boa Vista DEVERIAM reexibir “O Poderoso Chefão”

A coluna de hoje fala um sobre o impacto do filme “O Poderoso Chefão” e por que a edição de 50 anos faz falta em Boa Vista. Boa leitura!

Os cinemas de Boa Vista DEVERIAM reexibir “O Poderoso Chefão”

Cinquenta anos. Essa será a idade daquele que, para mim, é o melhor filme de todos os tempos. “O Poderoso Chefão” foi lançado em 14 de março de 1972 e se tornará cinquentão na semana que vem. Outros clássicos também entram nesse rol, como o musical “Cabaret”, o thriller “Amargo Pesadelo”, “Roma” de Fellini e o cancelado “O Último Tango em Paris”. Contudo, a obra-prima de Francis Ford Coppola é ainda mais especial. Isso porque nenhum de seus contemporâneos causou o impacto da família Corleone na Sétima Arte. Para comemorar, a Paramount lançou uma versão restaurada em 4K no cinema, que estreou no Brasil no mês passado.

Claro que não faltam antecedentes para a obra, já que clássicos da década de 1930, como “Alma no Lodo” (1931) e Scarface: A Vergonha de uma Nação” (1932), anteciparam o tato cinematográfico para histórias de máfia. O mesmo vale para obras com espírito anti-heroico, como “Cidadão Kane” (1941), protagonizado por um sujeito tão talentoso quanto egoísta, e “Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas” (1967), que traz um casal de bandidos como figura central. Para piorar, “Sem Destino” (1969), torna convidativo um estilo de vida à margem das regras sociais e sem garantia de final feliz.

ÚLTIMA ESCOLHA

Sabe o que estava rolando na vida real nessa época? A Guerra do Vietnã em curso, protestos ecoando em todos os EUA e luto pelas mortes de Bob Kennedy e Martin Luther King. Tem mais: auge da luta pelos direitos civis, revolução sexual… e Woodstock. O mundo estava mudando profundamente e a arte acompanhou essas mudanças. No cinema em especial, os estúdios passaram a financiar histórias cruas, pesadas e que competiam com a dura realidade. Filmes feitos por cineastas talentosos e cheios de energia, que tiveram a baita sorte de ter controle de sua produção – ou seja, menos dedo do estúdio no resultado final. Nesse cenário, com os chefões ainda com pé atrás na tendência, surgiu “O Poderoso Chefão”. Foi um estouro.

Marlon Brando comandado por Francis Ford Coppola

Fiz questão do termo “resultado final” porque a Paramount não abriu mão de meter o bedelho no “durante”. Coppola iniciou a casa dos trinta com quatro filmes no currículo e um Oscar de Melhor Roteiro por “Patton: Rebelde ou Herói” (1970). Foi, literalmente, a última escolha do estúdio para dirigir a adaptação do livro de Mario Puzo. Quando aceitou, teve que brigar muito para que a obra saísse do jeito que queria. Isso porque os executivos pensavam muito diferente. Queriam distância do ator Marlon Brando, por exemplo. Copolla insistiu na escolha de Don Corleone, um teste de caracterização com o ator mudou a ideia da galera e o resto é história.

MUDANÇA DE ARES

Com a idade da obra, é possível que talvez você não tenha ideia do que o filme trata. Lá vai: “O Poderoso Chefão” fala sobre Michael Corleone (Al Pacino), um rapaz idealista que é filho do mafioso Don Vito Corleone (Marlon Brando). Após um atentado à vida do pai, o jovem partirá para uma retaliação que mudará a vida de todos ao redor. Os caminhos escolhidos por Michael, sua relação com o pai e os irmãos, a interação entre os chefes da máfia e as reviravoltas são mostrados com paciência e apuro técnico, bem como um emaranhado de atuações mistas. Afinal, nem todos ali sabiam atuar, mas nada que a mente de Coppola não pudesse resolver. Na cena em que Luca Brasi se apresenta ao Don, por exemplo, o diretor/roteirista criou uma cena adicional que abafou espertamente o péssimo desempenho do intérprete Lenny Montana.

Pacino e Brando: lendas

Apesar da falta de interesse inicial, Coppola abraçou o projeto com tanta dedicação que o transformou no filme de sua vida. E foi mesmo, porem não só da dele, mas da vida de todo mundo. Graças a “O Poderoso Chefão”, que se tornou campeão de bilheteria e ganhou três Oscar (incluindo Melhor Filme), os estúdios confirmaram que a mudança de ares em Hollywood veio para ficar. Só desse filme, duas frases ficaram cravadas na história: “Eu acredito na América” e “Vou lhe fazer uma oferta irrecusável”.

NOVA ERA

Foi o início oficial da Era dos Diretores (e minha década favorita no cinema), com a leva mais ousada da história. Afinal, foi quando ascenderam Martin Scorcese (“Taxi Driver”), Steven Spielberg (“Tubarão”), Alan J. Pakula (“Todos os Homens do Presidente”), Milos Forman (“Um Estranho no Ninho”) e Alan Parker (“O Expresso da Meia Noite”). E, tambem, cineastas que já faziam sucesso tiveram seu auge na década de 1970, como Roman Polanski (“Chinatown”) e Sidney Lumet (dos filmaços “Serpico”, “Um Dia de Cão” e “Rede de Intrigas”). Todos fizeram clássicos e devem agradecer ao caminho aberto por Francis Ford Coppola.

Coppola promovendo a edição de 50 anos

Faltam palavras para dizer por que o filme em si é tão perfeito e influente. Contudo, como você leu lá em cima, sabemos que um dos fatores foi o timing. Chegou na época certa, com uma nação descrente na justiça americana e os artistas com munição criativa suficiente para contar novas histórias. Ver “O Poderoso Chefão” hoje é assistir a um pedaço desse período, um reflexo artístico de uma América conturbada, cheia de traumas e cicatrizações incompletas. E é a materialização da transformação no modo de contar histórias através de uma câmera. Entretanto, só posso dizer mais na minha crítica no Tomada Um, meu canal no You Tube, que publicarei na semana que vem.

SEM SINAL DE REESTREIA

Portanto, ver sua versão restaurada em altíssima definição no cinema poderia ser a experiência cinematográfica mais completa de sua vida. Pena que nem todos poderão sentir isso. Em Boa Vista, por exemplo, nem sinal da estreia nos três cinemas daqui. É possível fazer um apelo para que alguma empresa exibidora se sensibilize com os fãs da Sétima Arte? Porque quem é fã da Sétima Arte quer ver essa versão da saga dos Corleone na maior tela possível, com certeza. Boa Vista deveria reexibir essa obra-prima. Se eu consegui ver o relançamento no cinema de “O Exorcista”, o melhor filme de terror já feito, também posso ver “O Poderoso Chefão”, o melhor FILME já feito. Afinal, a esperança é a última que morre e eu acredito na América.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda sexta-feira aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema. 

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