“Simplesmente Amor” continua bonito, mas não envelheceu muito bem

No último sábado, véspera do Dia dos Namorados, apresentei à minha cônjuge o romance “Simplesmente Amor” (2003). Ela nunca tinha visto e eu estava muito empolgado…

“Simplesmente Amor” continua bonito, mas não envelheceu muito bem
Foto: Reprodução

No último sábado, véspera do Dia dos Namorados, apresentei à minha cônjuge o romance “Simplesmente Amor” (2003). Ela nunca tinha visto e eu estava muito empolgado. Afinal, eu amei assisti-lo na época de lançamento, quase duas décadas atrás. Segundo minha memória afetiva, a obra de Richard Curtis era um dos melhores filmes para celebrar o amor como sentimento plural, universal e que pode se manifestar de diversas formas. Pela ótica inocente de uma criança até o descompromisso assumido, cada um tem sua própria história de amor.

Terminamos a sessão e continuei gostando. Contudo, percebi algo que não me ocorreu quando eu vi pela primeira vez: nove histórias de amor e nenhum casal homossexual. “Ah, mas não precisa disso, lá vem a lacração”, dirão os mais conservadores. Só que também não há um par romântico preto. Aliás, pior que isso: a falta de representatividade racial aqui é, simplesmente, gritante. Até existe um casal interracial, mas o personagem de Chiwetel Ejiofor nem é o protagonista do segmento onde ele está (explicarei melhor já já). “Ah, lá vem vem o coitadismo”, dirão novamente. Pode falar, mas saiba ouvir também. Ou melhor, ler.

Atenção: o texto abaixo contem SPOILERS!

Tramas paralelas

O filme acompanha a vida de várias pessoas diferentes, algumas interligadas entre si de alguma forma, totalizando nove tramas paralelas. Começa com a amizade de Billy, um cantor popstar, e seu agente Joe (1). Segue com o casamento de Peter e Juliet, casal cujo melhor amigo do noivo é apaixonado pela noiva (2). Tem o garotinho Sam, apaixonado pela colega de classe (3). Seu padrasto Daniel é amigo de Karen, uma mulher de meia idade casada com o empresário Harry (4), que é chefe de Sarah, uma secretaria apaixonada pelo pintor Karl (5). Além disso, Karen é irmã do Primeiro-Ministro, que está apaixonado por Natalie (6). Além dessa rede, há um casal de atores que, bizarramente, está se conhecendo na gravação de um filme erótico (7); um homem traído que se apaixona por uma mulher latina (8); e um feioso metido a pegador que vive levando foras (9).

Como é um filme que pretende celebrar o amor em suas diversas vertentes, faltou pelo menos um casal homossexual. Entre homens ou mulheres, cis ou trans, tanto faz. Será que o público ainda não estava pronto para encarar as relações LGBTQIA+ com alguma naturalidade? Ou será que esse receio partiu dos próprios estudios?

Romance universal?

Acho que as duas coisas. Afinal, eu mesmo não senti falta disso na época em que vi. Só que, quando a gente se lembra de um filme que gostamos, não é o nosso eu-racional que traz a lembrança, mas o eu-emocional. E a memória afetiva funciona de modo paralelo ao crescimento de sua bagagem cultural e intelectual. Você pode ter aprendido muito sobre capacitismo, por exemplo, e continuar amando a filmografia dos irmãos Farrelli (diretores que adoram zombar de deficiências). Mas essa incongruência ocorre porque o que faz você continuar gostando desses filmes é a permanência do impacto que eles nos causaram na época em que os assistimos. Mesmo que a obra envelheça mal, dificilmente enxergamos isso até que a gente o assista de novo – agora com a bagagem de anos de aprendizado.

Foi mais ou menos o que aconteceu comigo. Dá para sacar quando um filme não aborda relacionamentos LGBTQIA+ ou quando os trata com desdém. É perfeitamente possível perceber quando um obra falhou em ser diversa em todas as formas de amor. Porém, continuava achando “Simplesmente Amor” um bom exemplo de sessão romântica universal. Sabe por quê? Memória afetiva. Meu eu de 2003 não via a menor importância na diversidade afetiva e era isso que estava valendo. Bastou rever esse filme para aquela visão deslumbrada desabar. Era como se eu tivesse vendo pela primeira vez. E foi bem isso, de certa forma, já que quem assistiu desta vez foi meu eu de 2022.

Brancas e loiras

Pior é que acabei enxergando outros problemas. Na trama do amigo do noivo, a cena de Andrew Lincoln (o Rick de “The Walking Dead”, bem novinho) mostrando os cartazes para Keira Knightley foi um momento que eu achara muito lindo. Sim, achei linda uma dupla traição do caramba. Não bastando a baixa diversidade racial, o único personagem negro relevante da história ainda era “corno”. Mesmo assim, foi bom terem abordado esse amor inconveniente e desconcertante, que é muito comum no cotidiano e mereceu ser mostrado a nós. Só o que achei inverossímil e ridículo foi o final feliz de Colin (Kris Marshall), que viajou para a América e ficou com três mulheres lindas, que estava prontas para saciá-lo. Detalhe: todas brancas e loiras.

Vendo tudo isso, parece que odiei assistir de novo, não é? Só parece. Na verdade, eu adorei revisitar essas histórias. Tinha coisas de que não me lembrava, como a conclusão do romance entre Rodrigo Santoro e Laura Linney. Algumas permaneceram interessantes e dolorosas, como a do presente de Alan Rickman para outra mulher; e outras melhoraram, como a de Bill Night rasgando o verbo na televisão – e nos divertindo muito. A resposta do Primeiro Ministro ao presidente norte-americano também foi duro de engolir (um líder gringo jamais sairia por baixo sem replicar), mas foi bem legal. A conexão entre as tramas continua boa e a mensagem, também.

Veredito

No fim das contas, é isso que contou. Definitivamente, “Simplesmente Amor” não envelheceu bem. Tantas histórias de amor e não deram espaço para relações fora do padrão branco e heteronormativo. Se tivesse sido feito hoje, com o mesmíssimo elenco, pode ter certeza que o cancelamento viria a galope. Ainda assim, achei o filme bonito (antes era “lindo”), que busca um grande sentido para o Natal através desses vários amores. Prefiro ver o longa como  um fruto de seu tempo, de uma época que – assim como eu – não achava a representatividade necessária. Hoje, sabemos que ela é. Mesmo assim, podemos dar um desconto: a intenção foi boa. Em certos casos, é isso que importa. Pode não ser mais um grande exemplo de pluralidade romântica, mas dá para emocionar legal  e permanece um ótimo programa natalino. E – por que não? – do Dia dos Namorados.

Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Todo fim de semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema. 

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Eduardo teixo irá Ferreira

Nossa que nostalgia Boa relembrar este filme que celebra o amor nesta antologia de encontros e desencontros amorosos! Me lembro que adorei ter assistido a ele pois o Ogro sensível e romântico dentro de mim ficou maravilhado com diversas história e situações amorosas! Mas realmente tenho de concordar contigo mestre Junior que uma história que tenta celebra amor de forma universal tenha pecado em colocar casais diversos para celebrar o amor eme toda a sua grandiosidade que ultrapassa todos os tipos de barreiras obstáculos e preconceitos! Mas seu excelente texto resenha e sinopses inspiradas me deram uma vontade de revisitar está obra!

Diogo

Se for pra representar todo tipo de ser humano, ia precisar de umas 100 tramas no filme no mínimo

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