Governo de Roraima contratou sócio de Denarium para projeto com uso ilegal de sementes transgênicas e agrotóxicos em terras indígenas

Governo já pagou mais de R$ 34 milhões para o empresário Jota Lopes que é sócio do govenador Antonio Denarium

Governo de Roraima contratou sócio de Denarium para projeto com uso ilegal de sementes transgênicas e agrotóxicos em terras indígenas
Antonio Denarium e Jota Lopes/Foto: Reprodução Redes Sociais

A gestão do governo de Antonio Denarium (PP) já introduziu mais de 120 milhões de sementes transgênicas para o cultivo de milho em terras indígenas no estado de Roraima. Mesmo sendo ilegal. A introdução do cultivo ocorre por meio de um programa de produção de grãos totalmente financiado pelo Governo do Estado e que pretende alcançar 2 mil hectares plantados nos territórios indígenas no estado em 2023.

Além de abastecer as lavouras com sementes modificadas, o governo de Denarium também investiu milhões dos cofres públicos para levar agrotóxicos, corretivos de solo, bem como fertilizantes para terras indígenas em nove municípios do estado. É o que revelam notas fiscais e contratos analisados pela InfoAmazonia.

Empresa de sócio de Denarium

A Agropecuária Garrote é quem fornece todo esse insumo. A empresa pertence ao empresário pecuarista José Lopes Primo, mais conhecido como Jota Lopes. Ele é sócio do governador Antonio Denarium em projetos agropecuários como o Frigo10, maior frigorífico de Roraima. Além disso, os dois também atuam juntos na Coopercarne. A cooperativa que reúne os grandes produtores agropecuários da região.

A Lei 11.460/2007 proíbe o uso de sementes geneticamente modificadas em terras indígenas . Além disso, o projeto teria sido implantado sem consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. E com uma série de outras violações, confome aponta o advogado e líder indígena Ivo Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

“Lideranças nos relataram pressão dos técnicos do Governo dentro dos territórios para que fossem preenchidos formulários e assinadas cartas de anuência. Muitas pessoas não sabiam o que de fato assinaram. Não houve consulta livre e prévia”, afirma Macuxi.

Desse modo, o CIR apresentou pedido de investigação ao Ministério Público Federal (MPF) ainda em 2020, quando o Governo anunciou o projeto.

Governo já pagou mais de R$ 34 milhões para sócio do governador

Assim a agropecuária Garrote e o Estado assinaram o contrato em abril de 2021. Ele então previa uma despesa pública de R$ 7,2 milhões para o programa de grãos em terras indígenas. No entanto, apenas três meses após a assinatura, a empresa pediu reequilíbrio financeiro, afirmando que os valores licitados não estariam de acordo com o valor de mercado.

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) chegou a emitir um parecer negando reajuste no contrato. Mas o Governo não acatou. Após quatro termos aditivos, que assim aumentaram o valor contratado, o Governo já pagou mais de R$ 34 milhões à empresa de Jota Lopes para a execução do programa.

Na justificativa para manter o programa, a Secretaria de Estado do Índio (SEI) diz que a paralisação do projeto de “etnodesenvolvimento econômico e social dos povos indígenas […] poderá causar mais prejuízos ao poder público do que a própria continuidade contratual”.

A InfoAmazonia teve acesso às notas fiscais do contrato 012/2021. No documento consta que a Garrote adquiriu sementes modificadas de milho da marca Limagrain, assim como uma série de agrotóxicos e fertilizantes. Entre eles o glifosato – um dos venenos mais utilizados nas lavouras do Brasil e associado às causas de câncer.

O projeto

Com o nome de “Produção de Grãos em comunidades Indígenas do Estado de Roraima”, o projeto do governo Denarium tem foco na produção de milho. Que atende assim, uma demanda do agronegócio para produção de ração animal. E é a própria Secretaria do Índio que indica os compradores da produção nas terras indígenas, conforme apurou a reportagem. Enquanto o Governo oferece toda a infraestrutura para manter e ampliar essa produção, os indígenas entram com a força de trabalho.

O termo de referência do projeto, elaborado pelo governo do estado, estipula alguns critérios. Como por exemplo, disponibilidade mínima de 10 hectares, fonte de água, fácil acesso para deslocamento de máquinas e caminhões e “mão de obra disponível”.

Se confirmadas as previsões do Governo, e dentro da média da produtividade do estado, que varia entre 110 e 120 sacas de milho por hectare. Roraima poderá ter uma safra de mais de 2 mil toneladas de milho transgênico cultivadas com agrotóxico em terras indígenas.

Política de Governo; projeto do agronegócio

Antônio Denarium não é apenas um parceiro do agronegócio. Os negócios do governador estão em quase todos os elos da cadeia agropecuária.

Além de sócio fundador do maior frigorífico de Roraima, o Frigo10, Denarium é também o criador de gado. E, do mesmo modo, é também produtor de milho e de soja.

Eleito em 2018 e reeleito em 2022 como candidato do ex-presidente Jair Bolsonaro em Roraima, Denarium seguiu à risca a agenda ruralista. E, assim, alavancou o agronegócio roraimense, que bateu recordes na produção de gado e de grãos durante sua gestão. A safra de grãos em 2022 cresceu 34,95% em relação ao ano anterior. Da mesma forma, a produção bovina saltou de 780 mil cabeças de gado em 2018 para mais de 1,1 milhão em 2022. Um crescimento de 40%.

Beneficiou outro sócio

Além do Governo ter repassado milhões para a empresa Garrote, Denarium também assinou títulos de doações de terras públicas para outro sócio dele no Frigo10. Isso para criar gado.

Ermilo Paludo, por mais de duas décadas, manteve fazendas de gado dentro da Terra Indígena Yanomami. Ele chegou a acumular R$ 3,7 milhões em multas. Mas recebeu uma área pública de 2,3 mil hectares do Governo para criar gado e explorar ouro.

O empresário nunca pagou as cinco multas ambientais. Duas prescreveram, enquanto outras duas foram canceladas e apenas uma, agora no valor de R$ 135 mil, precisa ser paga.

Ao todo, o programa de regularização fundiária do Governo de Roraima já transferiu mais de 490 títulos de áreas públicas para produtores rurais. Além disso, o Estado também aprovou uma lei que reduziu o preço da terra em áreas públicas. E então, o próprio Denarium saiu em busca de novos investidores.

Beneficiou desmatadores

Um estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostrou que a legislação estadual favoreceu desmatadores, com descontos de até 85% na venda de áreas públicas para quem invadiu e desmatou.

Em 2018, Denarium recebeu multa R$ 135 mil pelo desmatamento de uma área de 26,6 hectares de floresta, em Iracema. Ele tem fazendas na região. E, do mesmo modo, pelo menos cinco sócios do governador também receberam multas pelo mesmo motivo. Juntos, eles receberam mais de R$ 20 milhões em multas por desmatamento.

O Frigo10 foi inaugurado em 2017 por 10 empresários do agronegócio liderados por Denarium. O frigorífico é considerado o maior e mais moderno da região, com capacidade de abater 700 animais por dia.

O governador tem afirmado que o projeto de grãos em terras indígenas é um programa de “inclusão, dentro dos limites, respeito à cultura e aos hábitos de cada povo”. Ele fez a declaração em nota recente, após críticas sobre a condução da crise humanitária enfrentada pelo povo Yanomami.

Assim a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, referência em estudos sobre etnologia, critica a iniciativa do Governo de Roraima de levar sementes transgênicas e agrotóxicos para dentro dos territórios.

“A agricultura em larga escala se faz desprezando todo o ecossistema ao redor, o tipo de terra, de clima, com uso de agrotóxicos e outras medidas que fazem essas produções darem frutos. Os defensivos e a correção de solo que é feita reduz a biodiversidade”.

Em janeiro deste ano, o MPF instaurou uma investigação para apurar a responsabilidade cível do governador. É que afirmou que os indígenas “têm que se aculturar e não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”. Denarium deu a declaração em entrevista à Folha de São Paulo.

Amigo das comunidades indígenas?

O advogado Ivo Macuxi afirma que o governador Antônio Denarium usa o projeto para “se apresentar como amigo das comunidades indígenas”, com promessas de geração de renda e de desenvolvimento. Dessa forma, ele aponta que este “não é um projeto dos povos indígenas, mas sim do agronegócio”.

A elaboração, bem como a execução do projeto não teve sem nenhum acompanhamento da Funai. O órgão foi acusado de incentivar aproximação entre indígenas e o agronegócio na gestão passada. A Funai alegou “dificuldades operacionais” para acompanhar o projeto do governador Denarium, que recrutou participantes por conta própria.

“Isso causou problemas nas comunidades e divisões e tem sido tema de nossas assembleias e reuniões. A forma como este projeto foi criado ignora que essas comunidades já têm seu modo de produção. Não trata da diversidade das sementes tradicionais que estão sendo ameaçadas”, afirma o Macuxi.

Alvo de investigação

Além disso, a própria contaminação pelo uso de agrotóxico nas lavouras ao redor das terras indígenas já é alvo de investigações do MPF. Um desses casos ocorreu na Terra Indígena Serra da Moça. A TI faz limite com lavouras de soja e é uma das áreas atendidas pelo programa de grãos do Governo de Roraima.

Em agosto de 2021, em plena pandemia, as lideranças denunciaram o uso de aviões para aplicação de agrotóxicos que estavam invadindo a terra indígena.

O produtor denunciado recebeu multa de R$ 103 mil. Mas em abril de 2022, voltou a fazer uso de aviões para dispersar agrotóxicos. E, assim como da outra vez, atingiu a terra indígena.

Macuxi e outras lideranças temem que o projeto do Governo de Roraima seja a porta de entrada para uso dos agrotóxicos em terras indígenas.

“Nós somos a favor da agricultura indígena, desde que seja um projeto das comunidades, que preserve a diversidade e a sustentabilidade dos territórios, que não é o que está acontecendo”, completa o advogado.

Associação ligada ao agro validou

A reportagem da InfoAmazonia também conversou com Irisnaide Silva, presidente da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr). A organização indígena articulou a implantação do projeto junto às populações indígenas.

A Sodiurr tem um histórico de posições contra a causa indígena. Como por exemplo, se posicionou contra a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol de forma integral. Nos últimos quatro anos, a organização esteve alinhada ao Governo Bolsonaro. E além disso, defende abertamente o agronegócio e o garimpo em terras indígenas.

Além de presidir a associação que apoia a pauta do agronegócio, Irisnaide também ocupa um cargo comissionado no Governo de Roraima. Ela é diretora do Departamento de Educação Escolar Indígena.

Irisnaide Silva confirma que a maior parte da produção de grãos em terras indígenas é vendida para empresas indicadas pelo próprio Governo do Estado. Mas demonstra desconhecimento sobre o uso de transgênicos: “Não usamos isso não”. Conforme Irisnaide, “as sementes foram compradas de produtores daqui mesmo, de não indígenas”. E assim, ela tenta minimizar as denúncias de violações.

“[O programa] foi denunciado ao Ministério Público, mas o projeto tem anuência das comunidades. E a cada ano dobra a demanda porque o resultado é positivo”, argumenta.

A Sodiurr também atua em conjunto com a Aprosoja. A organização reúne os maiores produtores de soja do país. E chegou a ser acusada de financiar atos antidemocráticos em setembro de 2021 e 2022.

A líder da Sodiurr concorreu a uma vaga na Câmara Federal nas eleições de 2022, pelo Republicanos, apoiando a reeleição de Bolsonaro. Após o resultado, Irisnaide questionou o resultado das urnas nas redes sociais.

Outro lado

A Funai informou que o órgão não acompanha o programa do Governo de Roraima para cultivo de grãos em terras indígenas. E que o uso para a pesquisa e o cultivo de organismos geneticamente modificados é proibido em terras indígenas.

O órgão também afirmou que, “eventualmente, quando ocorrem tais cultivos, a Funai atua junto aos indígenas em um ambiente de orientação indigenista, bem como ofertando outras possibilidades como apoio e orientação técnica, crédito quando é possível, assistência técnica e insumos, como forma de apoiar a produção em terras indígenas, na medida de sua capacidade técnica, operacional e orçamentário-financeira”,

Disse ainda que “a orientação da Funai para as famílias indígenas é no sentido de valorizarem sistemas produtivos tradicionais, segundo suas próprias técnicas e seus saberes”.

A reportagem da InfoAmazonia tentou contato com a assessoria do governador Antônio Denarium por várias vezes, no entanto, não teve retorno. O empresário José Lopes Primo (Jota Lopes), também não respondeu às perguntas da reportagem.

Por fim, o MPF informou que a investigação que apura violações no projeto de cultivo de grãos em terras indígenas “encontra-se na fase de coleta de dados”. E que o MPF “apenas se manifestará sobre o assunto quando da apresentação de denúncias, caso não seja decretado o sigilo no processo pelo juiz do caso”.

Fonte: InfoAmazônia

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