‘Rede genocida’: Antonio Denarium, Sérgio Moro e Bolsonaro são denunciados pelo crime de genocídio contra os Yanomami

Conforme a denúncia, os acusados usaram o poder para fomentar e executar um plano para ‘acabar’ com os Yanomami com o intuito de explorar as riquezas minerais da terra indígena

‘Rede genocida’: Antonio Denarium, Sérgio Moro e Bolsonaro são denunciados pelo crime de genocídio contra os Yanomami
Antonio Denarium, Sérgio Moro e Jair Bolsonaro – Foto: Reprodução

O governador Antonio Denarium (PP), o ex-presidente Jair Bolsonaro e o senador e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (União) foram denunciados pelo crime de genocídio contra os Yanomami.

A notícia-crime foi protocolada no dia 15 de março junto à Procuradoria Geral da República (PGE) por um grupo de moradores de Roraima. Eles preferiram não se identificar por motivos de segurança.

Para contextualizar a denúncia, os noticiantes detalham a situação da Terra Yanomami, invadida por garimpeiros ilegais. Esses exploram a região com o uso de mercúrio, por exemplo. A substância tóxica, que contamina os rios e o ar, pode causar sérias consequências como doenças cardíacas, neurológicas e graus elevados de desnutrição.

“Os crimes ambientais assim praticados servem também a um propósito ainda mais execrável, que é o de debilitar a saúde, envenenar e, finalmente, de forma deliberada, eliminar a população indígena” ressalta o documento.

Os denunciantes citam o que eles avaliam como uma “organização criminosa”, composta por “poderosos associados e parceiros nos seus imensos lucros para tornar mais eficiente a ação genocida”.

Eles então dão como exemplo, leis estaduais de iniciativa e/ou apoio do governador Denarium que proibiam a destruição de equipamentos apreendidos em garimpos clandestinos. E que, além disso, autorizavam a mineração com o uso de mercúrio.

As leis foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro deste ano.

‘Genocídio’

Conforme a notícia-crime, Denarium, assim como o senador Mecias de Jesus teriam sido cúmplices de um projeto do então ministro da Justiça Sérgio Moro e o ex-presidente da República, Bolsonaro. Desse modo, os denunciantes pedem uma investigação rigorosa pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, em relação ao crime de genocídio.

Os atos de genocídio tipificados no Estatuto de Roma e, também na Lei Penal Brasileira, vão além de condutas que caracterizam agressões que levem ao resultado da morte. O estatuto do TPI afirma no Artigo 6º que entende-se como genocídio a “sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial”.

Ou seja, trata-se de uma forma de genocídio que faz referência à destruição de um grupo por meio de uma “morte lenta”.

“Dentre os métodos utilizados podem ser mencionados a privação de nutrientes (comida e água) aos membros, a sistemática expulsão de suas casas e a redução dos serviços médicos essenciais abaixo da condição mínima de vida, bem como submetê-los a um trabalho excessivo ou a um esforço físico extenuante”, destacou a notícia-crime.

‘Autores do crime’

Conforme os denunciantes, o genocídio dos Yanomami sempre foi “um projeto político que visa a apropriação de riquezas da reserva indígena por meio da estratégia de utilização do genocídio como forma de ocupação do território por garimpeiros e madeireiros ilegais”.

Ainda segundo eles, o governador de Roraima, aliado político de Bolsonaro, nunca escondeu que explorar as riquezas da reserva indígena era seu propósito.

“Para tal, montaram em conjunto uma rede de corresponsáveis pela agressão aos povos originários, que levou ao cometimento de genocídio”, salientou a denúncia.

Executivo Federal

Nesse sentido, no Executo Federal, estaria o então presidente Jair Bolsonaro, avaliado como o possível “mentor” do plano genocida. Isto porque, à época em que era candidato ao cargo, ele criticou a suposta política “indigenista”.

Em vídeo que circula nas redes sociais, Bolsonaro diz:

“estive lá em Roraima. É um Estado maravilhoso, mas está completamente engessado por política indigenista, política ambiental e direitos humanos. Não dá para continuar assim não”.

Ainda no Executivo Nacional estaria o então ministro da Justiça, Sérgio Moro. É que, no período em que ocupou o cargo, ele criou o PL 191/2020 que permite a exploração de minérios, petróleo e recursos hídricos em terras indígenas.

Por sua inconstitucionalidade, o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contra a proposta. O órgão entendeu que o PL poderia levar à destruição de importantes áreas, hoje ambientalmente protegidas, assim como à desestruturação ou desaparecimento físico de diversos povos indígenas.

Legislativo Nacional

Já no Legislativo Nacional estaria o senador Mecias de Jesus (Republicanos). Isto porque, conforme os denunciantes, o parlamentar era o responsável pelas nomeações dos órgãos de atenção à saúde indígena em Roraima.

“Os nomeados para os órgãos de atenção à saúde indígena operavam o sistema de distribuição de medicamentos destinados aos Yanomami e, ao ver dos próprios funcionários do Distrito Sanitário Yanomami, essa ingerência política tem determinado a paralisia das ações de saúde necessárias” diz um trecho da notícia-crime.

Senador Mecias de Jesus, ex-coordenador do Dsei-Y, Ramsés Almeida e o governador de Roraima, Antonio Denarium – Foto: Reprodução

Em novembro de 2022, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) deflagraram a operação Yoasi, com o objetivo de investigar um esquema de desvio de recursos públicos federais do Distrito Sanitário de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y).

Em recente entrevista, o ministro da Justiça, Flávio Dino, declarou que o MPF já indicou que teria ocorrido desvio de verba direcionada à saúde indígena. Para os denunciantes, isso contribuiu de forma direta para a morte de mais de 500 crianças Yanomami.

Leia também:

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável pela fabricação de medicamentos de combate à malária noticiou ao Ministério da Justiça a ocorrência de desvio desses lotes, destinados ao povo Yanomami, aos garimpeiros em Roraima.

Tais medicamentos estariam sendo oferecidos em grupos de WhatsApp por garimpeiros para atender as demandas de mais de 20 mil invasores na Terra Yanomami.

Executivo local

Por sua vez, os denunciantes apontaram o governador Antonio Denarium como parte fundamental no que eles chamam de “rede genocida”. De acordo com o grupo, o chefe do Executivo Estadual proporcionou os meios jurídicos e físicos para a ocupação da Terra Yanomami por garimpeiros.

Reunião com governadores dos estados da Amazônia Legal em outubro de 2019 contou com a presença do então presidente Bolsonaro – Foto: Reprodução

Em reunião transmitida por uma emissora de televisão em agosto de 2019, o governador respondeu acerca das dificuldades enfrentadas pelo Estado.

Ele afirmou à época que seria necessário explorar as riquezas minerais nas terras indígenas. Denarium ainda reclamou daquilo que avaliou como “políticas indigenistas” que atrapalhariam o suposto potencial econômico de Roraima.

Além disso, o governador do Estado concedeu entrevista recentemente à Folha de S. Paulo onde, segundo os denunciantes, ele reiterou “comentários absurdos” e se referiu ao modo de vida dos indígenas “de forma injuriosa”.

Maternidade de lonas em RR

Na notícia-crime, os denunciantes registram ainda sobre o atual cenário da Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, que também atende as mães Yanomami.

“Dados do comitê de saúde materna de Roraima indicaram um número assustador que coloca Roraima como o Estado do Brasil com o maior número percentual de óbitos maternos em decorrência de complicações da gravidez”, destacou.

Documento anexado à notícia-crime – Foto: Reprodução

Na tabela acima, aparecem em destaque algumas das mães Yanomami que morreram na maternidade de Roraima. Conforme a denúncia, os óbitos foram causados pelo abandono da unidade.

“Salta aos olhos a ausência absoluta de atenção do governador Denarium em relação à maternidade, que funciona em condições precárias em lonas provisórias típicas de hospitais de campanha ante uma obra há anos paralisada, o que em última análise revela o menoscabo no trato da saúde”, reiterou o documento.

Os denunciantes dizem que, esse grande número de mortes de gestantes, caracteriza outra conduta de genocídio prevista no Estatuto de Roma, no Art. 6º, letra “d”. “Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo”.

‘Leis destinadas ao genocídio’

A notícia-crime ainda destaca a sanção de leis, de acordo com o documento, “destinadas ao genocídio patrocinado pelo garimpo”.

Por exemplo, a Lei Estadual nº 1.453/2021, de iniciativa governamental, que autorizava o uso de mercúrio na mineração de ouro. Para os denunciantes, tal projeto simplificava todo o processo de licenciamento ambiental, impulsionando assim a ocupação da área indígena pelos garimpeiros.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em contrapartida, declarou a lei inconstitucional e suspendeu imediantamente sua vigência.

Em 2022, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) aprovou e Denarium sancionou a Lei nº 1.701/2022, que proibia a destruição de bens apreendidos de garimpeiros nas fiscalizações ambientais. O STF também derrubou a lei.

“Como se vê, o núcleo político no genocídio operou em larga escala em condutas todas elas destinadas a causar sofrimento e inviabilizar a existência do Povo Yanomami, no intuito de ocupar seu território e extrair toda riqueza biológica e mineral provocando, ainda, a destruição do meio ambiente na Amazônia”, pontuou um trecho da notícia-crime.

‘Omissão’

A denúncia afirma ainda que houve omissão por parte do Tribunal de Contas da União (TCU). Isto porque, conforme o documento, há um pedido de auditoria para as ações de saúde indígena ignorado há mais de um ano pelo órgão “sem que absolutamente nenhuma fiscalização tenha sido efetivamente implementada”.

O Jornal Folha de S. Paulo noticiou em janeiro de 2023 que um requerimento de auditoria para a saúde no Dsei-Y, que também se destinava a definir os efeitos do garimpo ilegal no território Yanomami, foi ignorado pela então presidente do TCU, Ana Arraes e, também, pela procuradora-geral de Contas, Cristina Machado.

“Como se vê, para que o projeto do genocídio fosse implementado, necessária também foi a omissão intencional dos órgãos fiscalizadores ao longo, principalmente, dos anos de 2021 e 2022”, afirmaram os denunciantes.

Fonte: Da Redação

Comentários

Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x