Onze temporadas, cento e setenta e sete episódios. Esses foram os números da série “The Walking Dead”, que começou em 2010 e terminou sua jornada no domingo passado. Em condições normais de temperatura e pressão, poderíamos dizer que essa longevidade representa sucesso dos bons. E foi mesmo, até certo ponto.
Infelizmente, os números que mais chamaram a atenção do programa foram, na verdade, os da queda da audiência. Mesmo com menos de 10 milhões de espectadores no início, a série tinha crescido e ultrapassado essa marca na terceira temporada, alcançando o auge na quinta. Foi a partir da oitava que o bicho desandou e os números começaram a cair cada vez mais. Até que, em 2022, atingiu a menor audiência da história da série.
Com isso, “The Walking Dead” alcançou outra marca: a de símbolo de séries que deveriam ter acabado faz tempo. E é uma pena que essa infâmia tenha acontecido. Mesmo com a fraqueza de algumas temporadas, nada apaga a inovação da adaptação dos quadrinhos de Robert Kirkman.
De Atlanta à fazenda
As duas primeiras temporadas são marcadas pela amizade entre Rick e Shane, que se deteriora com o triângulo amoroso com Lori (Sarah Wayne Callies), esposa do primeiro. São períodos mais minimalistas e focais. A primeira temporada, que se passa em Atlanta, é uma apresentação interessante e bem feita do apocalipse zumbi. Principalmente a estreia, dirigida por Frank Darabont. Apenas seis episódios, que mostraram a que veio, de forma suficiente e impactante.
Impacto esse que piora ainda mais na segunda temporada, toda ambientada em uma fazenda que o grupo principal encontra. Isso porque eles só estão no local, cujo proprietário é Hershel (Scott Wilson), para procurar a garota Sophia. Na metade da temporada, descobrimos que ela virou zumbi e o mundo desaba. Esse momento e o confronto final entre os (ex-)melhores amigos são simbólicos porque mostram a natureza triste e desoladora da série. E era só o começo.
Da prisão a Woodbury
A terceira temporada se passa em dois ambientes, cada um representando um lado diferente da moeda. Enquanto o lado “do bem” se aloja em uma prisão abandonada, o “do mal” mora em uma comunidade aparentemente próspera: Woodbury. É quando a série ganha seu primeiro vilão assumido: o Governador (David Morrissey), líder da comunidade. Em contrapartida, ganhamos o acréscimo da esperta espadachim Michonne (Danai Gurira).
O crescimento de personagens faz a série crescer também, aumentando as relações entre eles e dinamizando a trama geral. A diáspora da quarta temporada é a leva dos dramas individuais. O mais comovente de todos é o do episódio The Grove, com o arco das irmãzinhas Mika (Kyla Kenedy) e Lizzie (Brighton Sharbino). A parte do Terminus durou pouquíssimo (ainda bem!), mas rendeu um dos melhores episódios da série.
De Terminus à Alexandria
No Sanctuary é a première mais eletrizante de todas. Aliás, a quinta temporada inteira foi o auge de audiência da série. Claro que tem mais baixas aqui (uma delas de dar um nó na garganta) e, pela primeira vez, Rick encontra um lugar mais próximo de uma comunidade de verdade: Alexandria. É aqui, também, que o xerife finalmente encontra um novo romance: Jessie (Alexandra Breckenridge).
E, na sexta temporada, Alexandria é o palco do meu episódio preferido: No Way Out. Justamente pouco antes da chegada do vilão Negan (Jeffrey Dean Morgan) e o mistério sobre o assassinato cruel de alguém – revelada na abertura da sétima. Assim, foi plantada a semente da queda da audiência e o futuro esquecimento do público.
Guerra sem sucesso
A revelação do ente morto por Negan é chocante em todos os sentidos. Um tiro no coração dos fãs, que poderia render uma temporada de guerra com os Salvadores (grupo do Negan). Ao invés disso, a série prolongou o sofrimento e humilhação dos sobreviventes à exaustão. O jogo só vira na season finale, com o contra-ataque dos amigos das outras comunidades: o Reino e Hilltop.
Daí em diante, o público foi largando a mão. A guerra não engrenou e oitava temporada se tornou a pior de todas. O que não deixa de ser curioso, já que Negan é o vilão mais cruel e carismático da série. Contudo, ironicamente, é na sua fase que a série vive seu momento mais fraco. Uma pena.
Máscara da morte
Na nona temporada, acontece outra coisa interessante. Andrew Lincoln, ator-símbolo de “The Walking Dead” sai de cena e – por incrível que pareça – o programa volta a ficar bom. Isso graças a saga dos Sussurradores, criminosos disfarçados de zumbis, liderados pela impiedosa Alpha (Samantha Morton, na sua melhor atuação em anos). Pena que pouca gente soube disso.
O único problema dessa saga, que se estendeu até a décima temporada, é ter demorado tanto para acontecer. Se as duas temporadas da fase Negan fossem uma só, não haveria tanta enrolação e – acredito – o tropeço não seria profundo. A maldade de Alpha rendeu outro episódio antológico (The Calm Before) e o acerto de contas final é emocionante. Na verdade, The “Walking Dead” poderia ter acabado aí, no episódio A Certain Doom, com uma personagem jogando fora a última máscara da morte. Seria lindo.
Aí decidiram continuar.
Commonwealth
Da segunda metade da décima até a décima-primeira (e última) temporada, temos a fase Commonwealth. É o nome da nova comunidade que encontram. Mais uma vez: galera acolhedora, ambiente aparentemente tranquilo, comandado por um ditador egoísta transvestido de pacificador. Manjadíssimo. E, apesar das bacanas armaduras meio-stormtroopers, são os vilões mais esquecíveis da série.
Para piorar, essa temporada final teve três partes. A paciência esgotou de vez e a abertura da terceira parte registrou a audiência mais baixa de toda a série. 1,19 milhão de espectadores. Nesse quadro, é impressionante ver a AMC manter “The Walking Dead” no ar, já que vemos várias outras serem canceladas por bem menos. Bem, os fãs remanescentes agradeceram e, nesta semana, receberam uma despedida agridoce. O episódio final é uma bela homenagem aos personagens que marcaram todas as temporadas.
Ainda tá passando?
Mas tem um motivo bem claro para essa manutenção da AMC: os spin-off que já estão em produção. Sim, teremos mais zumbis por aí, agora focando em histórias próprias de algumas figuras. Enquanto os fãs se deleitam, a população em geral nem dá bola. Afinal, a maioria ouve falar em “The Walking Dead” e pergunta: ainda tá passando?
Agora podemos responder: não, não está mais passando!
Um abandono que essa série incrível não merecia, mesmo com o vacilo de alguns anos.
Júnior Guimarães é jornalista e escreve a coluna Cinema em Tempo. Toda semana aqui no Roraima em Tempo temos uma análise sobre o mundo cinematográfico. No Youtube, Júnior tem um canal onde faz críticas e avaliações sobre cinema.