Há 30 anos, víamos Brandon Lee pela última vez em “O Corvo”

Nas gravações de uma cena de ação do filme O Corvo (1994), o protagonista Eric Draven testemunha a violência contra sua noiva e ele leva um tiro do bandido. Eric cai no chão. Porem, o diretor Alex Proyas gritou “Corta!”, mas o ator Brandon Lee, intérprete de Draven, não se levantou.

Infelizmente, não se levantou nunca mais.

Era para ser um tiro de festim, mas a bala era de verdade. Quando perceberam que sua demora no chão não era brincadeira, um médico o atendeu. No hospital, não resistiu ao ferimento e Brandon Lee morreu em 31 de março de 1992.

No ano seguinte, O Corvo chegou aos cinemas sob a sombra da morte trágica de seu protagonista. Foi a última vez que o mundo viu Brandon Lee. 30 anos depois, a tragédia ainda assombra Hollywood.

Potencial interrompido

Em sua curta carreira, o filho de Bruce Lee não era um astro, mas um ator-de-filmes-legais, como aquelas pérolas de porrada da antiga America Vídeo (lembra?). Eram um barato e dá para contar nos dedos: Crime Killer (1985), Sede de Vingança (1986), Missão Resgate (1989), Massacre no Bairro Japonês (1991, um clássico de Sessão da Tarde) e Rajada de Fogo (1992). O ponto de virada na sua carreira seria uma adaptação de quadrinhos bem diferente.

E pode apostar que Lee viraria um astro: O Corvo é sensacional, violento, estiloso e simbolicamente gótico. E, pela primeira vez, o ator faz uma grande atuação, abraçando o espírito macabro do personagem e com potencial para entrar de vez no mainstream hollywoodiano.

Pena que esse potencial foi interrompido pelo tiro acidental nas gravações, resultado de um fragmento de bala alojado em uma arma mal-inspecionada, usada pelo ator Michael Massee, um dos bandidos do filme. Com a força do disparo, o fragmento, praticamente, virou um projétil.

Apesar da visível negligência, ninguém foi considerado culpado pela morte de Brandon Lee. Mesmo assim, Massee ficou um ano afastado do cinema e, até sua morte em 2016, nunca assistiu a O Corvo. Provavelmente, nunca se livrou da autoculpa.

Homicídio culposo

Não é a primeira vez que acidentes no set acontecem. Uma década antes do lançamento de O Corvo, o ator Jon-Erik Hexum estava gravando um episódio da série Retrato Falado (1984) quando, de brincadeira, deu um tiro de festim na própria cabeça. O que ele não devia saber é que, mesmo sem bala, o festim tem pólvora. Assim, a miniexplosão fraturou seu crânio e um pedaço do osso atravessou sua cabeça, causando sua morte horas depois, provando que até balas de festim podem ser perigosas, sim.

O caso mais recente foi em outubro de 2021, com a morte acidental da diretora de fotografia Halyna Hutchins, no set do filme Rust. O ator Alec Baldwin apontou uma arma para a câmera e a disparou, sem saber que ela estava carregada. O tiro acertou Hutchins e o diretor Joel Souza. Ela não resistiu. O ator (que é produtor do filme) e a armeira Hannah Gutierrez-Reed foram indiciados por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). Enquanto a Justiça a considerou culpada, Baldwin aguarda julgamento, marcado para julho.

Busca irresponsável

As duas situações acima parecem com a de Brandon Lee – até porque todas envolveram armas de fogo. Contudo, nenhuma supera a bizarra morte do ator Vic Morrow, que foi vítima da busca irresponsável por realismo do diretor John Landis. Durante as gravações de No Limite da Realidade (1982), o ator carregava duas crianças vietnamitas nos braços, quando um helicóptero decapitou ele e uma das crianças, em uma cena de ação. Ao mesmo tempo, o veículo acabou esmagando a outra criança.

As familias das vítimas processaram a equipe, mas após um acordo extrajudicial, ninguém foi responsabilizado, ao contrário. No mesmo período, Landis gravou o clipe da música Thriller, de Michael Jackson, que se tornou um sucesso incomparável e um clássico audiovisual. E o produtor Steven Spielberg fez E.T.: O Extraterrestre, que se tornou a maior bilheteria da história do cinema, até então.

E se…?

Infelizmente, é como se barbaridades assim precisassem acontecer para as regras sobre segurança nos sets serem mais rígidas. Não deveria ser assim. E o caso de Halyna Hutchins mostra que, apesar de assombrado pelo trauma de O Corvo, Hollywood ainda não aprendeu. Falei sobre negligência coletiva dos bastidores de Rust neste vídeo. Veja para entender melhor o show de absurdos que culminaram na morte da profissional.

Voltando para 1992, as filmagens de O Corvo continuaram após a tragédia, uma decisão apoiada pela família de Brandon Lee – já que o ator já tinha gravado a maioria de suas cenas. O filme saiu, tornou-se um sucesso de público e uma das maiores adaptações de quadrinhos para cinema. Também se tornou um dos maiores “e se…?” do show bizz. Afinal de contas, e se aquele fragmento de bala não estivesse ali? E se ele tivesse levantado? E se a ficção virasse realidade e um corvo aparecesse para ele?

Ou se ele nunca fosse sondado para fazer esse filme? Pior é que, vendo o quanto ele brilhou e ficou icônico com O Corvo, é difícil imaginar algo diferente.