O inquérito da Polícia Civil de Roraima (PCRR) obtido com exclusividade pelo Roraima em Tempo indica que o deputado Jalser Renier (SD) foi o responsável por mandar sequestrar e torturar o jornalista Romano dos Anjos.
O documento revela que a motivação do crime foi “vingança ou represália” devido às críticas feitas pelo apresentador contra Jalser.
Durante sessão na Assembleia Legislativa nesta semana, Jalser negou participação nos crimes. Ele disse que “nunca faria isso”.
Organização
Conforme a PCRR, o crime foi cometido por uma organização criminosa especializada em espionagem, inteligência, logística e segurança privada.
A organização funcionava dentro da Assembleia Legislativa, e tinha como líder o deputado Jalser Renier, de acordo com as investigações.
Formado em grande parte por policiais militares da reserva e da ativa, o grupo, inclusive, tinha uma hierarquia militar, partindo de Jalser, passando pelos coronéis, sargentos, até chegar aos subalternos.
As investigações revelam que Jalser chefiou o grupo dentro da Assembleia Legislativa entre os anos de 2015 e 2021.
Coincidentemente, esse foi o período em que ele esteve à frente da presidência. Depois de afastado da função pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado viu todos os militares serem exonerados da Casa Militar.
Depoimento
Outra prova testemunhal produzida pelos investigadores é o depoimento de um militar. O Roraima em Tempo teve acesso exclusivo às declarações.
Ele disse que o subtenente Clóvis Romero o procurou na primeira quinzena de outubro de 2020, mês do sequestro, para propor que participasse do crime. Clóvis era membro da equipe de segurança pessoal de Jalser.
Ainda segundo o documento, Clóvis disse ao policial que tinha uma “missão tenebrosa” determinada por Jalser. Contudo, o PM relatou ter questionado qual era a “missão” e ouviu a seguinte resposta:
O policial disse ainda que no dia do atentado ao apresentador ele estava em um curso preparatório, quando soube do sequestro por meio de grupo de notícias. Ao chegar em casa, ele conversou com a esposa sobre o caso.
“Vi aqui no grupo de notícias, amor, o que ele falou [Clóvis] eles fizeram, os caras fizeram a merda”. E a esposa respondeu: “Já pensou se você tivesse ido?!”.
Ainda conforme o policial, nos dias seguintes ao crime, ele não falou com Clóvis ou ninguém da Assembleia. No entanto, chegou a ser procurado por mensagens pelo militar Bruno Inforzato, também investigado.
Interferência
Contudo, o documento afirma que, uma semana após a criação da força-tarefa para investigar o caso, em novembro do ano passado, Jalser esteve no Palácio do Governo para se encontrar com o governador Antonio Denarium (PP).
Na ocasião, ele estava com os coronéis Natanael Felipe e Moisés Granjeiro e o tenente-coronel Paulo Cezar de Lima, que também são investigados. O inquérito revela que o parlamentar pediu o fim dos trabalhos do grupo a Denarium.
Nesta semana, o atual presidente da Assembleia, deputado Soldado Sampaio (PCdoB), citou o encontro durante sessão legislativa. À época, ele era chefe da Casa Civil.
Sampaio revelou ainda que Jalser chegou a ameaçar o governador de morte, caso a investigação atingisse a ele ou a qualquer militar do gabinete. Na mesma sessão, o parlamentar negou envolvimento.
“Naquele momento, orientei ao governador [que] tomasse as providências, reforçasse a segurança, mas deixamos de mão, até porque nós não sabíamos aonde ia chegar o inquérito”, disse Sampaio.
Além disso, a Polícia Civil fala que após a visita de Jalser ao Palácio, os delegados geral e adjunto da Polícia Civil, Herbert Amorim e Eduardo Wayner, se reuniram com o secretário de Segurança Pública, Edison Prola.
Em depoimento, Prola confirmou que os delegados pediram a modificação da equipe de investigação para atrapalhar o andamento do inquérito.
Na ocasião, conforme depoimento de Prola, o delegado Herbert levou um “recado” enviado por Jalser.
Sequestro
O sequestro do jornalista Romano dos Anjos ocorreu no dia 26 de outubro do ano passado. Bandidos o retiraram de casa, o torturam e em seguida o deixaram em uma área na região o Bom Intento, na zona Rural de Boa Vista.
Romano estava com pés e mãos amarrados com fita adesiva. No entanto, conseguiu se soltar. Como resultado, ele passou toda a noite próximo a uma árvore no Bom Intento. Os criminosos queimaram o carro do jornalista.
Em depoimento à PCRR, o jornalista disse que os criminosos citaram o nome do governador e do senador Mecias de Jesus (Republicanos). Logo depois, os dois políticos negaram.
Denarium pediu à Polícia Federal que assumisse a investigação do sequestro, mas a Superintendência afirmou que não havia elemento que federalizasse o caso.
Detalhes
Romano relatou que havia saído para comprar sushi com a esposa, Nattacha Vasconcelos, na noite do crime. Ele não percebeu se estava sendo seguido ao ir ao estabelecimento no bairro Pricumã.
Ao chegar em casa, no bairro Aeroporto, fechou o portão, travou o carro, mas não fechou com a chave a porta da residência, pois os cachorros estavam soltos.
Quando jantava com a esposa, ouviu o latido, saiu para ver o que era, mas ao abrir a porta se deparou com três criminosos armados, sendo que um fazia segurança.
O casal foi colocado no quarto e os bandidos pediram dinheiro e perguntaram onde ficava o cofre. Romano foi algemado e teve boca e olhos vedados com fita.
Na sequência, ele foi levantado por um dos sequestradores, por meio de “técnica típica” que os policiais usam para conduzir presos.
Na sala da residência, pediram a chave do carro. Então o jornalista indicou onde estava e pediu que deixassem a carteira com documentos.
Os criminosos mandaram que ele calasse a boca. Usaram novamente fita, mas desta vez do queixo até a parte de trás da cabeça. Eles o colocaram na parte de trás do veículo e deixaram o imóvel.
Pararam o carro e colocaram Romano em outro veículo, que acreditou ser uma caminhonete, “pela altura e barulho do motor a diesel”.
Depois, eles retiraram o jornalista do carro, retiraram as algemas, mas amarraram as mãos com uma corda. Então os criminosos colocaram um capuz na cabeça do apresentador.
Nomes de políticos
Romano disse à Civil que um dos bandidos falou: “Você gosta de denunciar, né?”. Outro criminoso, que tentava falar em espanhol, perguntou: “Você gosta de denunciar o Denarium? Você gosta de denunciar o senador Mecias?”. Depois de questionado, os bandidos o agrediram no peito, joelho e braços.
O jornalista contou que outra pessoa, que ele não tinha ouvido a voz até então, disse: “Ok! Acabou! Vamos!”.
Após a ordem do suposto líder, ele foi abandonado na região, que se tratava do Bom Intento, zona Rural de Boa Vista, onde foi encontrado na manhã do dia 27 de outubro.
Ele disse que com muito esforço conseguiu desatar o nó da corda, mas não conseguiu levantar os braços para tirar a fita dos olhos.
Gritou por socorro durante as 12 horas que ficou desaparecido e esperou amanhecer. Em contrapartida, o apresentador conseguiu tirar a venda com ajuda da ponta de um galho.
Logo depois, viu, com muita dificuldade, uma motocicleta e pediu ajuda. O servidor da concessionária de energia o reconheceu e o ajudou. Então a Polícia Militar e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foram chamados para socorrê-lo.
Citado
O deputado Jalser Renier reitera não ter conhecimento de qualquer informação sobre o caso do jornalista Romano dos Anjos, visto que a investigação ocorre em segredo de justiça por parte do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil.
Informa ainda que não foi comunicado ou intimado em nenhum momento desse processo investigatório e nem foi alvo de nenhuma busca e apreensão nesse inquérito.
Por Redação